Título: Um milhão nas garras do Fisco
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 24/12/2009, Economia, p. 15

Quantidade de pessoas na malha fina é histórica. Receita pedirá novo informe a médicos

Os esforços da Receita Federal para combater a sonegação em 2009 fizeram com que nada menos que um milhão de pessoas caíssem na malha fina este ano.

Esse é o maior número já registrado ¿ pelo menos desde 2005, quando começa a série histórica disponível no Fisco ¿ e representa um aumento de 177% sobre 2008, quando 361.451 contribuintes ficaram retidos. Este ano, 12% dos que caíram nas garras do Leão tiveram problemas com recibos médicos ¿ alvo de uma nova medida de cerco à sonegação, divulgada ontem e que vai dificultar o uso de notas frias, porém obrigará os profissionais da saúde a preencherem mais uma papelada para o Fisco.

¿ O nosso objetivo é ter informações que facilitem o trabalho de análise das declarações.

Isso reduz o número de pessoas que caem na malha fina injustamente ¿ argumentou o subsecretário de Fiscalização da Receita, Marcos Vinícius Neder.

Segundo Neder, do total de declarações que caíram na malha fina em 2009, 120 mil são de pessoas físicas que apresentaram algum tipo de problema com recibos médicos. Para tentar solucionar esses casos mais rapidamente, o Fisco anunciou ontem a criação da Declaração de Serviços Médicos (Dmed).

Trata-se de um documento que será entregue por profissionais da área de saúde, que informarão à Receita em detalhes quanto receberam de cada paciente num ano. Os dados serão cruzados com as declarações do IR da pessoa física. A partir daí, a Receita vai poder verificar se houve apresentação de despesas médicas falsas. Essa prática é utilizada por contribuintes que tentam usar gastos com saúde para aumentar artificialmente a restituição do IR ou para pagar menos imposto.

Este ano, na análise da malha fina, a Receita já constatou que as tentativas de aumentar artificialmente as restituições do IR somaram R$ 472 milhões. Já o imposto sonegado somou R$ 2,1 bilhões. Nestes casos, no entanto, as irregularidades incluem não apenas problemas com recibos médicos, mas também omissão de rendimentos e divergências de informações entre fontes pagadoras e contribuintes.

O subsecretário destacou que, em média, 12% das declarações retidas em malha se referem a problemas com recibos médicos. Em 2007, por exemplo, cerca de 480 mil pessoas físicas tiveram suas declarações retidas, o que significa que 58 mil tiveram problema com recibos médicos. Na análise desses documentos, 60% dos contribuintes não conseguiram comprovar as despesas.

Atraso no novo documento terá multa de R$ 5 mil

Neder lembrou que os problemas dos contribuintes com recibos médicos respondem por grande parte do atendimento da Receita em suas unidades. Isso sobrecarrega o Fisco e desgasta os contribuintes, que precisam ir pessoalmente ao órgão para resolver pendências.

¿ A Dmed vai reduzir essa demanda. O cruzamento de informações vai criar uma malha mais seletiva ¿ explicou o subsecretário.

A nova declaração será entregue a partir de 2011, com dados reunidos pelos contribuintes em 2010. Quem deixar de apresentar a Dmed pagará multa de R$ 5 mil por mês de atraso na entrega e de 5% por cada rendimento recebido não informado.

A crise mundial iniciada no fim de 2008 fez com que a arrecadação tributária despencasse, o que levou o governo a tomar uma série de iniciativas este ano para tentar recuperar os cofres públicos. Uma delas foi tentar segurar as restituições dos contribuintes que ficaram retidos na malha fina. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a admitir que o governo poderia deixar para devolver o Imposto de Renda retido a mais das pessoas físicas em 2010 a fim de cumprir as metas fiscais de 2009.

A intenção, no entanto, foi fortemente criticada por economistas e pela oposição, que classificou a medida de confisco. Por isso, às vésperas do ano eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ¿ que publicamente defendeu sua equipe ¿ ordenou nos bastidores que não houvesse retenção das declarações dos contribuintes sem pendências com a Receita. Com isso, o Fisco pagou este mês o maior lote de restituições da história, no total de R$ 2,4 bilhões.

A Dmed faz parte da série de controles que foram impostos pela Receita para fechar brechas à sonegação. As imobiliárias, por exemplo, têm de informar à Receita os valores pagos com aluguéis a seus clientes, o que inibe a omissão desse tipo de rendimento.

Também há o controle da movimentação dos contribuintes por meio de cartões de crédito.

Neste caso, a ideia é analisar se o rendimento declarado pela pessoa física é compatível com sua movimentação financeira com cartões