Título: De volta para os EUA
Autor: Damasce, Natanael ; Motta, Cláudio
Fonte: O Globo, 25/12/2009, Rio, p. 8

Depois de longa batalha judicial, Sean é entregue ao pai americano e deixa o Brasil

Depois de uma longa novela que atraiu a atenção de americanos e brasileiros nos últimos meses, a véspera de Natal foi marcada por um capítulo que pode ser definitivo na história de Sean Goldman, de 9 anos. Após a decisão de anteontem do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, a criança foi entregue ontem pelos parentes maternos ao pai, David Goldman, no consulado americano. Por volta de 11h30m, os dois embarcaram no Aeroporto Internacional Tom Jobim num voo fretado para os Estados Unidos. A batalha judicial se arrastava há um ano e quatro meses, desde a mor te da mãe de Sean, Bruna Bianchi.

Bastante abalada, a avó materna do garoto, Silvana Bianchi, ironizou a decisão do presidente do STF: ¿ Espero que o ministro Gilmar Mendes tenha um Feliz Natal.

O americano David chegou às 7h30m ao consultado, escoltado por duas patrulhas da PM, e entrou pela garagem. Acompanhado da família brasileira, Sean chegou por volta das 8h30m, vestido com uma camisa do Brasil. Assustado com o assédio da imprensa, ele ficou o tempo todo abraçado ao padrasto, o advogado João Paulo Lins e Silva, que brigava pela guarda do menino na Justiça. A família chegou em três carros, estacionados a cerca de cem metros do consulado, e seguiu a pé até o prédio.

Houve muito tumulto.

A porta-voz do consulado, Orna Blum, chegou a anunciar que a família fora convidada a entrar pela garagem do prédio, a fim de evitar a exposição do menino. No entanto, o advogado da família, Sergio Tostes, afirmou que foi obrigado a fazer o trajeto a pé por não ter sido contactado pela representação americana: ¿ Ao contrário do que foi oferecido ao David Goldman, que teve escolta da Polícia Militar, ninguém nos ofereceu proteção

Advogado: menino teve febre à noite

Tostes afirmou que, apesar das tentativas de negociar uma transição suave para o menino, a entrega foi bastante traumática. Ele disse que Sean teve febre na noite de anteontem e chegou ao consulado febril.

O menino teria chorado muito e, segundo o advogado, estaria muito revoltado com o fato de não ter sido ouvido pela Justiça. Tostes contou ainda que Sean se despediu da irmã, Chiara, de 1 ano e três meses, dizendo que voltaria logo.

O advogado disse também que, uma vez dentro do consulado, os representantes americanos não queriam permitir que alguém da família acompanhasse o neto até a sala onde se encontrava David Goldman.

Eles só teriam mudado de ideia e permitido que a avó o acompanhasse quando o menino começou novamente a chorar, abraçado ao padrasto.

Sean e o pai deixaram a sede do consulado por volta das 9h45m. Escoltados pela Polícia Militar, os dois seguiram de carro até a Base Aérea do Galeão, na Ilha do Governador, onde embarcaram num avião fretado pela TV americana NBC. Segundo Tostes, a família chegou a pedir que a avó seguisse no mesmo voo, mas foi impedida pelas autoridades americanas.

Silvana Bianchi, que no dia anterior acusara o Brasil de decidir a favor de David para evitar uma retaliação comercial dos EUA, deixou o consulado minutos antes do neto e não falou com a imprensa. De acordo Sérgio Tostes, ela vai contratar um advogado em Nova Jersey para tratar na Justiça americana dos direitos de visitação da família.

¿ Ela é uma senhora respeitável e não vai ficar perambulando, sendo humilhada nos Estados Unidos. O Brasil nos ofereceu um agente consular quando ela chegar ao aeroporto, mas o que queremos é que o país exija reciprocidade neste caso, para que o governo deles faça por nós o que o nosso governo fez por um americano ¿ afirmou Tostes.

O advogado fez pesadas críticas aos políticos que se envolveram no caso, como o deputado Chris Smith e o senador Frank Lautenberg.

Segundo ele, os dois só queriam se promover e, por isso, deveriam ser investigados pela comissão de ética dos órgãos onde cumprem seus mandatos. Ele também fez pesadas críticas ao ministro brasileiro de Direitos Humanos, Paulo Vanuchi, que teria, segundo ele, tomado partido dos americanos, transformando-se no algoz de Sean. Apesar disso, Tostes disse que a família decidiu não mais recorrer, para não desrespeitar a Justiça brasileira. Na véspera, o presidente do Tribunal Regional Federal da 2 aRegião (TRF2), desembargador Paulo Espírito Santo, determinou que a decisão fosse cumprida até as 9h de quintafeira.

A briga por Sean ganhou contornos mais dramáticos no ano passado, quando Bruna, mãe do menino, morreu. Desde então, o padrasto e o pai do garoto brigam na Justiça. Há oito dias, a 5aTurma Especializada do TRF2 já havia julgado uma apelação cível apresentada pela família brasileira e determinado a entrega de Sean ao pai, em 48 horas.

A ordem foi suspensa no dia seguinte, pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF, através de liminar.

Na última terça-feira, o caso sofreu nova reviravolta, quando Gilmar Mendes determinou o restabelecimento da decisão do TRF.

Ontem, por volta de meio-dia, o deputado americano Chris Smith divulgou uma carta escrita por David Goldman. O pai de Sean agradece pelo apoio que recebeu de americanos e brasileiros: ¿Eu estou verdadeiramente grato pelas pessoas maravilhosas que fizeram extraordinários esforços para reunir nossa família com o belo Sean.

Agora, é hora de um renascimento da família num momento tão especial do ano. Há ainda outros tantos pais, mães e crianças que precisam ser reunidos¿.

A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, disse, em nota, que estava muito entusiasmada com o desfecho do caso. Ela agradeceu aos diversos membros do congresso dos Estados Unidos e a ajuda e cooperação do governo brasileiro ¿no cumprimento de suas obrigações com as regras da Convenção de Haia sobre Sequestro Internacional de Crianças¿.

Por fim, manifestou seus ¿sinceros votos¿ a pai e filho ¿neste momento em que celebram as festas de final de ano juntos pela primeira vez em cinco anos