Título: Há um sinal claro para os lobbies: podem vir
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Fonte: O Globo, 26/12/2009, O País, p. 4

Deputado do PSDB diz que há uma "coligação do gasto", que reúne parlamentares do governo e da oposição

Os constantes aumentos de gastos com funcionalismo no governo Lula, aprovados pela Câmara e pelo Senado, têm sido condenados pelos partidos de oposição, mas nem sempre os discursos críticos dos líderes e de poucos outros parlamentares resultam em votos contrários às propostas.

Apesar dos protestos, os votos são poucos, e a oposição, que reúne PSDB, DEM, PSOL e PPS, com mais de 150 deputados, nem sempre tem a mesma posição.

Poucos parlamentares votam sistematicamente contra todas as criações de cargos. É o caso do deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), que acompanha com lupa os gastos do governo com pessoal. Para ele, a Câmara cedeu aos lobbies de categorias que lotam os corredores da Casa diariamente e ajuda o governo Lula a promover uma farra fiscal que terá reflexos no futuro.

¿ É a coligação do gasto ¿ diz o tucano paulista.

Segundo Madeira, foram criados no governo Lula 219,3 mil cargos, entre efetivos e cargos de confiança.

Madeira afirma que a oposição, incluindo os tucanos, está intimidada, diante da popularidade do presidente Lula. E diz que o PSDB não aprendeu a ser oposição e vive situação contraditória

Cristiane Jungblut e Isabel Braga

O GLOBO: C o m o o senhor a a atuação da Câmara diante da aprovação de tantos projetos de aumento de gastos federais? ARNALDO MADEIRA: No caso da oposição, é claramente um problema de falta de clareza nos conceitos. No embate político, tem que fazer com que as pessoas percebam as diferenças. Se você não consegue conceituar corretamente, vota aleatoriamente em função das circunstâncias do momento, de pressões. Se você fica simplesmente em função dos lobbies políticos que vêm aqui, o que acontece? Dá vaciladas desse tipo.

O senhor já disse que é o ¿lobby que não termina nunca¿...

MADEIRA: Há (aqui) um sinal claro para a sociedade, para os lobbies: podem vir que somos receptores e acabamos atendendo os lobbies.

São essas pressões e os lobbies que levam oposição e governo a se unirem na aprovação de projetos que aumentam gastos? MADEIRA: Não há dúvida. Um exemplo recente foi a emenda constitucional que tornava funcionários públicos federais os servidores municipais de Rondônia. Ninguém sabe o custo, quantos são, e, não obstante, o número de votos contra foi muito pequeno (apenas oito no segundo turno). Todos os partidos encaminharam a favor. Ninguém quer se indispor.

Outro exemplo é o projeto da Polícia Militar do Distrito Federal. O que acontece? O governador do DF era do DEM na época. O presidente Lula mandou o projeto. Então, se formou uma frente. É o que chamo de coligação do gasto.

Por que esse comportamento, inclusive da oposição? MADEIRA: Está pensando eleitoralmente. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, para você fixar gastos, tem que dizer a fonte de recursos permanentes.

Isso não foi nem objeto de contestação. Fazem vista grossa porque faltam conceitos.

Na hora que você tem conceitos, fica mais fácil defender sua posição política. Mas, se não tem, você vai de roldão.

No caso da criação dos cargos do Ministério da Educação, o PSDB ficou contra e votou contra.

MADEIRA: Mas há casos em que o partido encaminha contra o projeto, mas depois permite a votação simbólica. Encaminhamento contrário só para marcar posição, para inglês ver. Na vida política você precisa ter situações de oposição, democracia é assim.

A oposição está apática diante dos 80% de popularidade do presidente Lula? É antipático fazer oposição? MADEIRA: Se vamos nesse caminho, vamos criar um mito.

Aliás, estamos criando um mito, que está ficando acima do bem e do mal. Há um crescimento econômico ridículo, e fica essa coisa de que o Brasil sai da crise melhor do que os outros. Agora, tem o filme (¿Lula, o filho do Brasil¿). Estão criando um mito, que ninguém quer enfrentar.

E por que isso, na sua opinião? MADEIRA: É um pouco o jogo da esperteza. No Brasil se tem isso, de que na política tem que ser esperto: não toma posição, vai vendo como os acontecimentos se desenvol vem . Não se indispõe com ninguém.

O PSDB não aprendeu a ser oposição ainda? MADEIRA: Honestamente, acho que não. O PSDB vive uma contradição. Quando era governo e o PT batia na nossa política econômica, o PSDB tinha timidez em defendêla. Quando o PT assumiu o governo e passou a defender essa mesma política, aí o PSDB se deu conta de que devia estar certa.

O governo acusa a gestão tucana de ter deixado uma ¿herança maldita¿. Qual será a herança do governo Lula? MADEIRA: Eles vão deixar um comprometimento do Estado com gastos com funcionários, que é um negócio que não tem como reduzir. A única forma de resolver isso é aprovar definitivamente o projeto de lei que estabelece o teto dos gastos com pessoal (já aprovado no Senado).

A Câmara não tem como reagir ainda? MADEIRA: A Câmara está inteiramente subordinada ao Executivo e sem disposição de enfrentar os problemas para seu fortalecimento. Não seguimos regras. Fiquei pressionado (pelos colegas) por ter exigido que os projetos do pré-sal cumprissem o regimento, com votação nominal das urgências.