Título: Crime usual, punição rara
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 24/01/2010, O País, p. 3

Doações eleitorais fora dos limites da lei ficam impunes ou têm pena branda

Alvo de fiscalização conjunta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Receita Federal pela primeira vez, empresas e pessoas físicas que fizeram doações acima do limite permitido em lei, nas eleições de 2006, permanecem impunes ou recebem a pena mais branda possível ¿ multa no valor de cinco vezes a quantia que excedeu o teto. De um lado, parte dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) resiste à iniciativa do TSE de punir os excessos e rejeitam todas as ações. É o caso dos tribunais de São Paulo e Distrito Federal. De outro, como no TRE do Rio de Janeiro, as empresas condenadas só precisam pagar multa, escapando da outra sanção prevista em lei: a proibição de participar de licitações por cinco anos.

Em outubro, a empresa carioca Somar ¿ Serviços de Operações Marítimas Ltda. foi condenada a pagar multa de R$ 35 mil, por ter excedido em cerca de R$ 7 mil o limite de doações. Mas escapou da proibição de participar de licitações. Quase dois meses depois da condenação, a Somar, em parceria com outra empresa, assinou contrato de R$ 97,9 milhões com a Secretaria Especial de Portos, da Presidência da República. A empresa é uma dos quase 50 condenados pelo TRE do Rio. O Ministério Público não informou quantas ações foram ajuizadas no estado.

A operação conjunta de fiscalização, coordenada pelo TSE, resultou em milhares de ações, ajuizadas pelo Ministério Público Eleitoral no ano passado em todo o país. O ponto de partida foi o cruzamento de declarações de Imposto de Renda com os valores doados.

Suspeitas sobre 12% dos doadores

A Receita Federal identificou 18,3 mil pessoas físicas e jurídicas suspeitas ¿ 12% do total de doadores em 2006. Juntas, elas repassaram R$ 328 milhões a candidatos a presidente da República, governador, senador, deputado federal e estadual. Nem todos os casos suspeitos foram ajuizados, e apenas parte desse montante ultrapassou o limite. Empresas podem doar até 2% do faturamento bruto do ano anterior às eleições. Pessoas físicas, até 10% de sua renda bruta.

Em São Paulo, o Ministério Público ajuizou 2.736 ações, e os acusados teriam doado R$ 40 milhões acima do teto. Assim, se condenados à multa máxima de dez vezes o valor excedido, a conta chegaria a R$ 400 milhões.

O dinheiro é recolhido ao Fundo Partidário, ou seja, acaba dividido entre os partidos políticos. Como se trata de infração cometida pelos doadores, os candidatos não são penalizados.

A lista de acusados pelo Ministério Público paulista tem instituições de porte, como a Embraer, o Banco Mercantil de São Paulo (adquirido pelo Bradesco) e a Associação Imobiliária Brasileira (AIB). As empresas negam a irregularidade.

Se depender do TRE de São Paulo, no entanto, tudo será arquivado. O tribunal entende que ações desse tipo não poderiam ter sido ajuizadas três anos após as eleições. A posição foi firmada em agosto, em sessão plenária do tribunal. O Ministério Público recorreu ao TSE, enfatizando que a lei não estabelece prazo.

Com argumento diferente, o TRE do Distrito Federal também vem rejeitando as representações. Foram protocoladas cerca de 280 contra os doadores que ultrapassaram o limite. Para o TRE-DF, o problema é que as provas seriam ilícitas, pois o sigilo fiscal dos doadores só poderia ser quebrado por ordem judicial. Ou seja, as ações não poderiam ter como base o cruzamento de dados do TSE e da Receita.

O assunto será julgado pelo próprio TSE, quando forem analisados recursos do Ministério Público. O julgamento de um caso semelhante foi interrompido quando o placar estava empatado em 1 a 1, no ano passado. O presidente do tribunal, ministro Carlos Ayres Britto, pediu vista. O caso poderá ser retomado em fevereiro.

Em pelo menos sete estados, os TREs estão julgando e condenando doadores: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás, Tocantins, Alagoas, Rio Grande do Norte e Acre. No TRE gaúcho, porém, nenhuma empresa foi proibida de participar de licitações. Essa tem sido a regra também no Rio.

Especialistas veem problemas na lei

A existência de limites e a punição de doadores divide opiniões. O advogado e ex-ministro do TSE Torquato Jardim aplaude a fiscalização conjunta com a Receita: ¿ A Justiça Eleitoral tem que dispor de mecanismos que garantam a lisura das eleições. Quanto mais parcerias, seja com o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a PF, ONGs, melhor. Evita a corrupção e a fraude.

Também ex-ministro do TSE, Fernando Neves vê problemas na legislação sobre as doações: ¿ O objetivo da lei eleitoral é fazer com que a eleição transcorra da forma mais igualitária possível. O importante era que a lei fixasse limites para gastos em campanha e não para doações.

O advogado Márcio Silva, que defende o PT em ações no TSE, tem raciocínio semelhante. Ele diz que os atuais limites são ¿irrelevantes¿, pois não impedem o favorecimento econômico.

¿ Quem tem poder econômico tem influência sobre várias empresas, conglomerados. Se a ideia é um setor financiar um candidato para ter um interlocutor, ele pode pulverizar isso. É a prática. Muito mais razoável seria estabelecer que uma campanha só pode gastar xis.