Título: Trinta anos e um país mudado
Autor: Viana, Jorge
Fonte: O Globo, 24/01/2010, O País, p. 7

O Partido dos Trabalhadores faz 30 anos tendo uma história extraordinária para contar. Entre acertos e erros, sua trajetória foi animada pela coragem, pelo trabalho e até pelo sacrifício de milhares de militantes em todo o país. Isso ninguém lhe tira, nem o mérito de ter mudado o Brasil para melhor. Mas o sonho não acaba e é preciso seguir mudando este Brasil mudado. Para tanto, o PT deve valorizar os princípios que o levaram a se tornar o maior partido do país, especialmente a ética e a participação política como qualidade da cidadania.

É bom lembrar, sobretudo aos jovens, que a participação faz a política transparente e transformadora, enquanto a corrupção prospera na sombra e a desqualificação da atividade pública é uma espécie de reserva de mercado dos aproveitadores. Recentemente, até os mercados mais refratários às intervenções de Estado fizeram um reconhecimento global à política, pedindo aos políticos solução para a crise mundial criada pelos próprios mercados.

Da política tudo depende, desde decisões para economias mais justas até a concretização de ajuda humanitária nas horas mais dolorosas, como estas vividas agora no Haiti ou aqui no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Minas Gerais.

A política deve ser exercida, quando não por todos, pelo menos por muitos.

E o PT, sendo o maior exemplo de mobilização popular no Brasil, deve construir seu futuro a partir desse legado. O 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores é o momento certo para iniciar esse esforço, decidindo que a comemoração dos seus 30 anos não se resumirá a um evento, mas ganhará as ruas e se desdobrará por todo o ano.

É nas ruas que o PT pode despertar o entusiasmo da sua militância e trazer gente nova para renovar e inovar sua luta de 30 anos. Sendo 2010 um ano eleitoral, é óbvio que isso tem que ser feito em campanha, com presença forte no debate nacional e sem perder de vista que as questões regionais estão mais próximas das pessoas, inflando interesses e paixões mais imediatas. Isso significa, sim, que a prioridade do projeto nacional é indiscutível, mas deve ser trabalhada com inteligência e atentar para o risco do enfraquecimento do PT na base da sociedade. É preocupante que este risco se agrave justamente nos estados mais populosos, ricos e influentes do país, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Não faz sentido o PT não postular o governo em pelo menos um destes estados, pois tal ausência contradiz o próprio caráter nacional do partido.

Na extensão desse problema, nem a forte expressão do PT na região Nordeste impede o PMDB de cobiçar a Bahia, com a força de um ministério de grande importância projetando uma candidatura de enfrentamento à reeleição do governador petista Jacques Vagner. Sabidamente, nosso velho aliado desconversa sobre a Bahia e insiste em Minas, onde também não é governo, mas quer chegar lá ao custo da abdicação da candidatura petista.

A política de alianças também é indiscutível, mas o malabarismo do seu encaminhamento deve incluir a possibilidade do endurecimento pontual de algumas negociações, como não pode aceitar o ¿subfaturamento¿ de espaços políticos importantíssimos, a exemplo do comando da Câmara e do Senado, de ministérios estratégicos e até da candidatura à Vice-Presidência da República.

A aliança com o PMDB é fundamental, mas não se pode negar que seja um casamento de conveniência. O que a faz honesta e politicamente recomendável, é justamente o fato de essa aliança ser celebrada às claras, diante do testemunho público e remetida à aprovação de milhões de eleitores.

Não sendo ideológica, a coligação nacional entre PT e PMDB deve buscar afinidades programáticas em favor da governabilidade federal, sem desconhecer as tensões regionais. Aliás, o PMDB foi um dos partidos que mais trabalharam para suprimir o princípio da verticalização das coligações partidárias, imposto pelo TSE em 2002.

A necessidade de fortalecer o projeto nacional pelo equilíbrio das alianças regionais tem a ver com a própria sustentabilidade do PT, como partido político e como condutor de um projeto de desenvolvimento sustentável para o país. O que não podemos é repetir o PSDB, que esgotou seu projeto nos 8 anos que permaneceu no Governo e agora, à falta de um discurso construtivo, apequena o debate e desce a um nível inimaginável para um partido de príncipes.

O PT tem obrigação de ser contemporâneo e capaz de acompanhar as transformações da sociedade moderna, para sua perspectiva de desenvolvimento sócio-ambiental não envelhecer.

Isso me lembra um texto de Affonso Romano de Sant¿Anna sobre fazer 30 anos. Dizia que ¿chegar aos 30 é hora de se abismar. Por isto é preciso ter asas e sobre o abismo voar¿. Então é tempo de o PT mostrar a cara, sair às ruas e revelar os sonhos desse Brasil mudado.

Não se pode negar que a aliança com o PMDB seja um casamento de conveniência

JORGE VIANA é engenheiro florestal. Foi prefeito de Rio Branco (1993/96) e governador do Acre (1999/2006) pelo PT. Email: jorgeviana.acre@gmail.com.