Título: As eleições vão acontecer em um ambiente de estabilidade e confiança
Autor: Gurría, Angel
Fonte: O Globo, 24/01/2010, Economia, p. 26

Secretário da OCDE ressalta avanços do Brasil e expansão de 4,8% em 2010

Brasil vai bem e sai fortalecido da crise mundial, avalia Angel Gurría, secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ¿ o chamado clube dos países desenvolvidos ¿, que não coloca o país na sua lista de preocupações nem em ano de eleição presidencial. ¿Acredito que as eleições vão acontecer num ambiente de tranquilidade, estabilidade e confiança¿. Em entrevista ao GLOBO, o mexicano prevê que nenhum país está livre de uma virada negativa em 2010.

Deborah Berlinck PARIS

O GLOBO: O Brasil tem sido citado como um sucesso total. O que pode dar errado? ANGEL GURRÍA: Sempre podemos perguntar o que pode ir mal. No Brasil e em todos os países, pode acontecer tudo. A questão é se as autoridades, o setor privado, os sindicatos e a sociedade em geral estão mais bem organizados e preparados para enfrentar uma situação de crise. Minha resposta é sim.

E que problemas pode haver? GURRÍA: Depende se eles vêm do lado comercial, financeiro, fiscal, de bancos, queda de receitas.

Mas o Brasil pode ter tido um comportamento econômico em 2009 que seria um dos melhores não só da região, mas do mundo. Praticamente sem queda, enquanto no mundo houve contração importante.

Em parte beneficiado pela retomada da China, o preço das commodities¿ GURRÍA: Há muitas coisas. O Brasil não depende de um só mercado, ele diversificou e tem um setor financeiro que praticamente não entrou em crise.

Ajudaram muito seus bancos de desenvolvimento, para promoção de pequenas empresas, agricultura, infraestrutura. Isso foi estratégico num momento em que muitos bancos fecharam suas janelas. E há também um fortalecimento fiscal.

Pelo que o senhor descreve, nada pode dar errado...

GURRÍA: Não, não. Não há nenhum país que não possa ter circunstâncias negativas e, na América Latina, ser vítima de problemas que não foram criados na região. Temos de estar sempre preparados para imprevistos.

Acredito que o Brasil está fortalecido.

O ano de 2010 terá eleições presidenciais. O que o senhor diria aos candidatos? GURRÍA: Acredito que as eleições vão acontecer num ambiente de tranquilidade, estabilidade e confiança. Isso é muito importante. O contexto é muito importante para concentrar a atenção dos eleitores sobre as grandes questões nacionais, sem contexto de crise.

O senhor não espera nenhuma grande mudança na política econômica do Brasil com a troca do poder? GURRÍA: Políticas (econômicas) são decisões soberanas dos países. Num contexto difícil como 2010, que será um ano de transição para a recuperação econômica mundial, as atividades econômicas serão muito fracas.

Serão positivas, mas discretas.

Estamos falando de 2% a 2,5% (de crescimento global). Como o Brasil é uma economia cada vez mais aberta, naturalmente, se o contexto é fraco, o país terá um impacto. Isso quer dizer que o Brasil não pode sair sozinho da crise: precisa de um contexto de recuperação ao redor.

A China conseguiu reduzir o percentual de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza de 85% em 1981 para 16% em 2005. Já o Brasil reduziu de 17% para 8%. O que falta para o Brasil reduzir mais? GURRÍA: Tempo. Os programas de redução de pobreza no Brasil estão baseados na capacidade fiscal do governo, isto é, de ter recursos e dinheiro. Agora enfrentamos a crise. Mas a crise não deve ser pretexto para abandonar programas sociais. A crise provoca desemprego e tem impacto sobre os mais vulneráveis, com demandas maiores para os governos. Mas até nisso o Brasil está melhor, porque está criando empregos.

Por que a China conseguiu uma redução maior ? GURRÍA: O Brasil não começou ontem sua redução de pobreza.

A China, sim. E tem níveis absolutos de pobreza que não são brasileiros. Há também a questão estatística. O Brasil tem um sistema mais desenvolvido de monitoramento.

A crise mundial foi superada? GURRÍA: Não, está começando a ser superada. Mas há muitos riscos, como Dubai, perda de confiança. Nos EUA, há centenas de bancos com perigo de solvência e liquidez.

É preciso ter cuidado também para não se retirar estímulos fiscais prematuramente. Não estamos fora de perigo. É preferível errar por manter mais tempo os estímulos do que retirar muito cedo. Em todo caso, eles não podem ser mantidos indefinidamente.

A economia americana é a sua grande preocupação? GURRÍA: A dívida pública, que está se aproximando de 100% no caso de EUA e Europa e de 200% do Japão, é um problema.

Esse nível não é sustentável.

Qual é a previsão para o Brasil? GURRÍA: Crescimento em torno de zero em 2009, com recuperação de 4,8% em 2010 e 4,5% em 2011. Uma recuperação boa, interessante, mas também graças a um comportamento favorável: inflação controlada, entre 4% e 5%, com fiscalidade sã. Houve uma interrupção da queda da dívida pública por causa da crise, mas depois o Brasil vai retomar essa redução.