Título: Nem marolinha nem tsunami
Autor: Batista, Henrique Gomes ; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 26/01/2010, Economia, p. 21

Crise em 2009 teve forma de "V profundo" e reação rápida no país

Com os primeiros indicadores econômicos de 2009 sendo conhecidos, a economia brasileira mostra quais foram as consequências da maior crise financeira mundial e, também, a capacidade de recuperação do país. No fim de 2008, a produção industrial despencou 20%, e o Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos no país) caiu 2,9%. Um tombo pouco visto na história recente do país. A percepção de que o Brasil estaria ¿totalmente blindado à crise não se verificou¿, observa Sílvio Sales, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV). Mas a recuperação veio na mesma intensidade, dizem analistas.

No olhar do coordenador do Grupo de Conjuntura da UFRJ, Antonio Licha, a crise no Brasil ¿teve a dinâmica em formato de um V bem profundo, com uma recuperação muito acentuada¿: ¿ Não foi uma marolinha. Mas a recuperação rápida, com a característica de que a crise não se espalhou para toda a economia.

Em outubro de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dissera que a crise não passaria de uma marolinha: ¿Lá (nos EUA), ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar¿, afirmou o presidente num evento em São Bernardo do Campo.

Passado mais de um ano, as projeções são de que o país tenha fechado 2009, na média, estagnado, com ligeira queda de 0,2%. Porém, o ano passado fechou com a economia tão aquecida que os agentes já põem na conta o aumento da Selic (taxa básica de juros) já em abril, para frear o consumo e evitar a alta da inflação

Saldo comercial igual e perfil pior

Foram 995.110 mil empregos com carteira assinada criados em 2009, 36,4% menos que em 2008, mas bem acima do que se imaginava quando os créditos externo e o interno secaram, e as exportações despencaram no fim de 2008. A taxa média de desemprego de janeiro a novembro ficou em 8,2%, levemente superior aos 8% do ano anterior. Já a indústria desceu ladeira abaixo. Nem a recuperação de 2009 conseguiu trazer a produção ao patamar positivo. Pelas projeções, o setor deve ter fechado o ano passado com queda de 7,5%.

No comércio exterior, o baque também foi grande. Apesar de o saldo ter fechado no mesmo nível de 2008, as exportações caíram de US$ 197,9 bilhões para US$ 152 bilhões.

As importações também recuaram bastante ¿ de US$ 172,9 bilhões para US$ 127,6 bilhões. O perfil das vendas externas piorou. A recuperação mais forte da China, compradora de matérias-primas do Brasil, aumentou a parcela de bens primários na pauta de exportação.

¿ Tradicionais compradores de nossos manufaturados são os Estados Unidos e os países do Mercosul.

A América Latina sofreu muito com a crise ¿ lembra Paulo Levy, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Hersz Ferman, gestor da Um Investimentos, diz que o Brasil sofreu, mas os primeiros dados finais de 2009 comprovam que o país sofreu bem menos que outras nações: ¿ O Brasil reduziu os juros, liberou os depósitos compulsórios e criou incentivos tributários. A economia no ano ficou praticamente estagnada. Outras nações do mundo fizeram o mesmo e ainda amargam recessão.

Inês Filipa, economista-chefe da ICAP Brasil Corretora de Valores, concorda com Ferman, destacando a rápida recuperação da economia. Ela lembra que a economia real sofreu muito, mas nada que chegue perto da catástrofe sofrida em outros países: ¿Estávamos fortemente afetados no quarto trimestre de 2008 e, em apenas dois trimestres, deixamos o pior da crise para trás, embora ainda sem zerar todas as perdas. O ano de 2009 foi de recuperação, e 2010 será de retomada do crescimento.

Licha, da UFRJ, afirma que a crise foi circunscrita a determinados setores como o de máquinas e equipamentos e exportações: ¿ O comércio foi muito bem, crescendo perto de 5% em 2009, e o setor de serviços continuou contratando.

Os países emergentes Índia, China e Coreia do Sul tiveram desempenho melhor. Não chegaram a entrar em recessão (quando o PIB tem duas quedas seguidas) como o Brasil . A China, por exemplo, divulgou semana passada que cresceu 8,7% em 2009, acima da meta do governo, de avanço de 8% do PIB. O país sequer teve contração da economia na variação trimestral. A Índia apresentou recuo no ritmo de crescimento, mas registrou expansão de 6,9% do PIB no ano fiscal encerrado em março passado.

Sales, da FGV, afirma, porém, que os estímulos fiscais da China foram maiores.

Ressalta ainda que seu mercado doméstico de mais de um bilhão de pessoas fez a diferença: ¿ Eles mantêm o câmbio desvalorizado ¿ lembra.

Nas contas públicas, somente a arrecadação é conhecida. Teve queda de 2,9%, resultado que teve ajuda adicional. No último mês do ano, houve o pagamento atrasado de R$1 bilhão em PIS/Cofins feito por um banco. Além disso, entraram na conta R$ 2,3 bilhões de depósitos judiciais que foram transferidos da Caixa para o Tesouro.

Ontem, a Empresa de Pesquisa Energética informou que o consumo de energia caiu 1,1% em 2009, puxado pela queda na indústria. Nesse setor houve recuo de 6%, enquanto o comércio e as famílias aumentaram a demanda em 6% cada.