Título: Dilema dos juros
Autor: Alvare, Regina
Fonte: O Globo, 26/01/2010, Economia, p. 22

A pesquisa Focus divulgada ontem reforça argumento do mercado de que é preciso elevar os juros para conter a demanda e neutralizar os riscos de inflação em 2010. Pela primeira vez, a estimativa do IPCA para o ano (4,6%) supera o centro da meta fixada pelo governo, de 4,5%. A elevação dos juros, que começaria em abril, segundo as apostas do mercado, é fonte de grande preocupação no setor produtivo.

O setor não enxerga essa pressão de demanda que tanto assusta os analistas do mercado e pode influenciar o Banco Central. E não vê necessidade de elevação dos juros no curto prazo. O Departamento Econômico da Confederação Nacional da Indústria (CNI) fez um cruzamento de dados da evolução da capacidade instalada da indústria e da produção de bens de capital ¿ que indica os investimentos no setor. O resultado reforça essa avaliação.

O gráfico abaixo mostra como os dois indicadores se comportaram desde janeiro de 2008 até novembro passado. Os investimentos estavam no pico em setembro de 2008, quando começaram a despencar por conta da crise global. A taxa de ocupação na indústria atingiu o pico em julho de 2008 (83,3%) e começou a cair, a partir daí, pelo mesmo motivo.

A inversão na curva desses indicadores começou em fevereiro e março passados e o nível de ocupação na indústria acompanha a aceleração da atividade econômica. Em novembro, chegou a 81,4%.

Mas os investimentos na indústria também estão crescendo, e num ritmo até mais acelerado. Uma coisa alimenta a outra.

Este é o principal argumento do setor industrial para rejeitar a elevação da taxa básica de juros. De um lado, haveria ainda espaço para o aumento da ocupação, cerca de dois pontos percentuais. De outro, o aumento acelerado dos investimentos ¿ cresceram 28,6% desde março ¿ reduz as pressões sobre os preços industriais.

¿ Ainda não recuperamos o patamar anterior (de uso da capacidade instalada ). É exagero ver nesse processo uma ameaça à estabilidade ¿ afirma Flávio Castelo Branco, chefe do Departamento Econômico da CNI.

A elevação dos juros inibe investimentos. Pela lógica do setor industrial, um círculo virtuoso de crescimento da economia seria bloqueado. A própria discussão sobre o aumento dos juros já é danosa pra esse ambiente, na visão de Castelo Branco, pois começa a levantar dúvidas sobre a capacidade de o país crescer de forma mais robusta.

O crescimento alto exige investimento alto. O investimento eleva o PIB potencial.

É o circulo virtuoso que estaria ameaçado.

Desacelera I

Se em 2009 o saldo da balança comercial com a China foi recorde, com superávit de US$ 4,3 bilhões, este ano há o risco de déficit, segundo avaliação do Conselho Empresarial Brasil-China. Por um lado, deve ocorrer forte aumento de importações, por conta da recuperação dos investimentos na indústria. Por outro, pode haver queda nas exportações, se as commodities se desvalorizarem: ¿ Esse superávit recorde não se repetirá. Devemos ter saldo um pouco positivo ou até negativo ¿ afirma Rodrigo Maciel, secretárioexecutivo do CEBC.

Desacelera II

O Conselho já trabalha com uma possível valorização do iuan por parte do governo chinês. O objetivo seria ajudar no combate à inflação. Mas Rodrigo Maciel acredita que, se vier, será pequena, na casa dos 4%: ¿ O governo está preocupado com a inflação. Valorizar a moeda pode aumentar a oferta e ajuda a controlar os preços.

A consultoria Dragonomics e os bancos Citigroup e Mogan Stanley também já trabalham com uma valorização do iuan ao longo do ano.

INCERTEZA: O cenário externo ainda é incerto para alguns setores. A Abipecs, dos produtores de carne suína, prevê alta de 3% no mercado interno, mas ainda não consegue prever o ritmo das exportações.

COM ALVARO GRIBEL