Título: Acredito na capacidade dos haitianos
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 23/01/2010, O Mundo, p. 33
Brasileira à frente de bem-sucedido projeto do Pnud em comunidade carente atua agora na recuperação do país
ELIANA NICOLINI no Haiti: projeto de recuperação do país paga US$3 por dia a moradores para limpar ruas destruídas e restaurar redes elétricas
PARIS. Uma mineira do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Eliana Nicolini, está fazendo diferença na reconstrução do Haiti. Ela dirigia um dos projetos do Pnud de maior sucesso numa favela de Porto Príncipe, o Briquette Project, de coleta e reciclagem de lixo, quando a tragédia aconteceu. Sobrevivente, Eliana agora está à frente de uma tarefa monumental: coordenar o mutirão de haitianos que a ONU contrata por US$3 por dia para reerguer o país. Já são mais de mil.
Eliana, de 50 anos, trabalhou como engenheira no serviço de limpeza urbana do Distrito Federal e, depois, num gabinete de crises na área sanitária e ambiental no Palácio do Planalto. Em 2006, assumiu o projeto da ONU de reciclagem de lixo no Haiti. Sente-se orgulhosa e diz que não sai do país:
¿ O Haiti é possível. O povo haitiano é forte, valente e precisa agora de apoio. Acredito na capacidade deles. Não posso deixá-los cair.
Emocionada, numa entrevista por telefone, de Carrefour-Feuilles, a favela que faz questão de chamar de comunidade carente, quis passar uma mensagem às famílias dos militares mortos.
¿ Quero dizer que nada é em vão. Eles trabalharam e fizeram um bem muito grande para este país. A gente tem que continuar e ir para frente.
O susto de Eliana não foi pequeno. Seus dois filhos, João Carlos, de 23 anos, e Paulo Victor, de 22, que moram em Brasília, estavam de férias visitando a mãe no Haiti quando o prédio onde Eliana morava, o Hotel Montana, desmoronou. Muitos morreram. Ela andou no meio de escombros por 25km até achar os filhos, à 1h da madrugada, ilesos.
Desde 2006, Eliana coordena o trabalho de reciclagem de lixo em Carrefour-Feuilles, um dos pontos mais afetados pelo tremor. O projeto teve tamanho sucesso, por pacificar um lugar que era uma praça de guerra, que o ex-presidente Bill Clinton, dos EUA, foi visitá-lo. Eliana diz que o programa ¿deve ter sido abençoado por Deus, pois não caiu uma telha¿ do galpão onde todos estavam.
Sua missão pós-terremoto se intensificou na semana passada, com a contratação de haitianos em Carrefour-Feuilles para um trabalho braçal, que começa pelo mais simples: por US$3 por dia, com ajuda de pás, botas e luvas distribuídas pela ONU e de caminhões alugados de pessoas da comunidade, haitianos estão retirando escombros, localizando corpos, abrindo espaço nas ruas, restaurando redes elétricas. A campanha está sendo estendida a outras comunidades carentes e arrasadas pelo terremoto, como Martissam e, mais tarde, Carrefour e Gressier. Já são mais de mil pessoas envolvidas no mutirão, e o Pnud pretende empregar 220 mil pessoas, o que beneficiaria um milhão de haitianos. Com isso, o Pnud dará um primeiro impulso à economia do país.
¿ É importante dizer que são os haitianos que estão fazendo o trabalho. Eu apenas coordeno. Estamos fazendo tudo com ajuda dos comitês de populações nos bairros ¿ disse.
Eliana, que teve seu apartamento destruído, vive hoje acampada numa base da missão da ONU no Haiti. Ela conta que a maior barreira sempre foram ¿o cinismo e a descrença de fora¿. Ela diz que hoje só tem um medo: de não conseguir cumprir sua missão.
¿ Não tenho medo de ficar aqui. Acredito na capacidade dos haitianos. E a vida é um risco. Não importa. A vida é maravilhosa e vale a pena viver.