Título: Sucesso da recuperacao dependera do povo
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 23/01/2010, O Mundo, p. 33

Mais que recursos estrangeiros, analista acredita que chave é mobilizar a sociedade haitiana

PARIS. O espanhol Pablo Ruiz Hiebra, do Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud), que esteve envolvido na reconstrução de vários países ¿ de asiáticos afetados pela tsunami ao Líbano e Haiti ¿ alerta: a solução não virá de fora. ¿É fundamental que os haitianos movimentem este processo.¿ Ruiz, de 40 anos, especialista em prevenção de crises, viveu quatro anos no país e participou da transição depois que o presidente Jean-Bertrand Aristide foi deposto, em 2004.

Várias tentativas foram feitas para estabilizar o Haiti. Por que falharam?

PABLO RUIZ HIEBRA: Houve tentativas falidas. Mas não diria que todos os esforços fracassaram. Depois da enorme crise de 2004, quando o presidente Aristide deixou o país, provocando o quase colapso das instituições do Estado, um plano de reconstrução por um governo interino resultou, dois anos depois, em eleições com grande participação popular e uma volta à ordem constitucional.

Que erros do passado não devem ser repetidos?

RUIZ: Nos últimos 15 ou 20 anos havia a percepção de que a comunidade internacional desenvolveria o Haiti. É fundamental uma mudança nesse enfoque. A comunidade internacional pode mandar fundos e apoio técnico, mas a chave é que os próprios haitianos liderem esse processo. Com isso, poderão recuperar os investimentos privados que estavam chegando ao país antes do terremoto.

Uma das críticas é que, no passado, a comunidade internacional trabalhou só com as elites e que talvez mais atenção deva ser destinada à sociedade civil. O senhor concorda?

RUIZ: Em qualquer país, numa situação semelhante, as pessoas melhor preparadas e com capacidade de operar são as que têm mais recursos e são melhor formadas... Efetivamente, na medida em que sejamos capazes agora, dar voz às pessoas e dar mecanismos a todos, com um movimento mais participativo na reconstrução, é algo fundamental. Nos últimos 20 anos, o Haiti viveu um certo dinamismo. Hoje não estamos mais na mesma situação que na época de Papa Doc e seu filho (Jean-Claude Duvalier, ditadores do país).

Várias pessoas muito preparadas saíram do país ou morreram. Não é um problema?

RUIZ: Lamentavelmente tive o prazer de conhecer algumas delas. Isso vai ser mais duro para a reconstrução. Muitos dos mais preparados perderam a vida. É muito difícil reconstruir isso. É preciso muitos anos de esforço e apoio para haver novamente a capacidade de ter mão-de-obra formada e gabaritada.

Talvez atrair os que estão fora do Haiti, não?

RUIZ: É uma discussão eterna. Há quem diga que é a solução mágica. Outros dizem que não adianta nada. Se é possível trazer gente de fora numa ação bem estabelecida para apoiar o Haiti, está bem. Mas é importante que os haitianos não tenham a impressão de que a diáspora está lhes dizendo o que fazer.

A ideia de construir uma nação ainda é válida?

RUIZ: Totalmente. É fundamental que sejamos capazes de contribuir com a reconstrução do país. Temos agora uma boa oportunidade. Estávamos no caminho certo (antes do terremoto) e temos que recuperá-lo. Temos que recuperar não apenas a infraestrutura do Haiti, como a esperança.

Quanto tempo levará esta fase de reconstrução?

RUIZ: Será um processo muito complexo. Vai levar de três a cinco anos. E vai exigir um esforço importante de incluir os haitianos e a cidade como atores, e não como espectadores. É importante que montemos mecanismos de participação efetiva de todos, e não apenas de determinados setores.

Muitos desafios?

RUIZ: Há desafios enormes. É complexo decidir como se vai reconstruir e como se vai se decidir. Mas se fizermos isso com as comunidades, temos mais possibilidade de conseguir. (Deborah Berlinck)