Título: Fim das ilusões
Autor:
Fonte: O Globo, 25/01/2010, O País, p. 6
Alembrança mais recente do que teria sido a fase romântica do jogo legalizado no Brasil apareceu na minissérie ¿Dalva e Herivelto¿, da TV Globo, nas cenas em que o Trio de Ouro se exibe com grande sucesso no Cassino da Urca. Há ainda o registro do baque que foi para uma infinidade de artistas o desaparecimento daquele mercado de trabalho, numa penada do presidente Dutra.
Os tempos eram muito diferentes. Depois, surgiria para a cidade a figura do bicheiro, gente do subúrbio ligada a comunidades, em alguns casos nascida nelas mesmo. Natalino, ou Natal, de Madureira, é exemplo histórico: sem um braço, bancou com a receita do jogo muitos carnavais de sua Portela. O tempo correu e o folclore ficou para trás. A ¿contravenção¿ não sairia imune da entrada da cocaína no circuito das drogas. O giro financeiro do tráfico passou a necessitar de esquemas industrializados de lavagem de dinheiro, dos quais o bicho teria começado a se valer. O salto seguinte viria com as máquinas caça-níqueis. Há relatos de que o investimento inicial para a aquisição dos chips dos equipamentos foi financiado por máfias europeias. Seja como for, os surtos de violência em confrontos entre esses bicheiros eletrônicos dão uma medida da virulência das gangues.
Há tentativas de legalização dos bingos, espaço ocupado por essas quadrilhas ou ¿laranjas¿ delas. Não tem dado certo. No primeiro governo Lula, uma investida para mudar a legislação ¿ os bingos funcionavam com base na Lei Pelé ¿ foi abortada quando apareceu o vídeo em que Waldomiro Diniz, assessor do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, pedia propina a um bicheiro.
São vários os argumentos a favor da legalização do jogo em geral ¿ emprego, recolhimento de impostos etc. A infiltração do crime na atividade, porém, não aconselha a medida. O Estado brasileiro dá demonstrações de não ter como fiscalizar uma atividade sem qualquer semelhança com o jogo da década de 40 do século passado. Ele passou a ser parte do diversificado negócio do crime organizado, com ramificações externas.