Título: Renascimento atômico
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 25/01/2010, Economia, p. 14

Governos aceleram projetos de usinas nucleares: 53 em construção e 135 planejadas

A crescente preocupação com o aquecimento global ¿ agravada após o fracasso da Conferência do Clima, em Copenhague ¿ e a busca por diversificação energética estão impulsionando investimentos em uma fonte de energia há muito jogada no ostracismo: a nuclear.

De acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), 53 usinas estão em construção hoje no mundo, com capacidade total de 47.223 megawatts (MW) e previsão para entrada em operação até 2017. Se os cronogramas forem cumpridos, a capacidade global de geração nuclear terá crescido 12,7% até lá. Atualmente, existem 436 centrais em atividade, totalizando 370.304 MW.

Se consideradas usinas planejadas, o avanço será ainda maior. Segundo a Associação Mundial de Energia Nuclear, que reúne empresas do setor, há projetos de 135 centrais (148 mil MW), que, somadas às 53 em obras, elevariam a capacidade atual em mais de 50%. Não há, porém, datas estabelecidas para que elas comecem a funcionar, pois muitas ainda dependem de autorizações. Angra 3, por exemplo, foi incluída nesta conta, apesar de as obras de preparação do terreno da nova usina estarem em andamento desde o fim de 2009.

Ainda que a expansão do uso da energia nuclear fique limitada aos quase 13% nos próximos oito anos, é um aumento significativo, se comparado aos mais de 20 anos ao longo dos quais a oferta se manteve estagnada. Desde 1986, quando o acidente de Chernobyl, na Ucrânia ¿ que na época integrava a União Soviética ¿ assustou o mundo, a construção de centrais foi praticamente paralisada.

De 4 a 8 centrais no país, além de Angra 3

Sem novos grandes acidentes desde então, a bandeira da energia limpa é o principal argumento no qual se apóiam os defensores das usinas nucleares.

Estudos mostram que, levando em conta todas as etapas da produção, incluindo a extração do urânio e a fabricação de equipamentos usados na geração de energia, a nuclear é a que menos emite CO2.

¿ Na hidrelétrica há decomposição de matéria orgânica no alagamento de grandes áreas, o que acaba levando à emissão de CO2. Na eólica, a fabricação das pás usadas na geração de energia é um processo muito poluente. E, na solar, emite-se CO2 para produzir os coletores solares e as baterias ¿ defende Aquilino Senra, professor de Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ.

Com isso, vários governos deram sinais de que vão retomar seus programas nucleares este ano, mesmo em meio à polêmica quanto ao destino final dos rejeitos de alta radioatividade, já que inexistem depósitos definitivos em operação no mundo. Em novembro, o Reino Unido aprovou dez locais onde poderão ser erguidas novas usinas.

Nos EUA, está sendo tocado um projeto de construção de uma usina no Texas, a primeira em 30 anos, e orçada em US$ 10 bilhões. E, no Brasil, além de Angra 3, estão sendo planejadas outras quatro a oito usinas até 2030.

Mas o rótulo de energia limpa não é o único fator responsável pelo aparente renascimento dos programas nucleares.

Quem lidera essa corrida é a China, cujo histórico de preocupação com as mudanças climáticas não é dos mais admirados. São 16 usinas em construção (15.220 MW no total). A ela seguem-se Rússia (com nove centrais, totalizando 6.894 MW), Coreia do Sul e Índia (ambas com seis usinas, com capacidade total de 6.520 MW e 2.910 MW, respectivamente). São países que buscam nas centrais nucleares a segurança necessária a seu crescimento.

¿ A diversificação da matriz energética é muito importante ¿ diz Laércio Antônio Vinhas, diretor de radioproteção e segurança da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen).

O caráter estratégico da energia nuclear ¿ dominar a tecnologia a partir do beneficiamento do urânio para energia é visto por muitos como o primeiro passo para seu uso com fins bélicos ¿ também está por trás da retomada, especialmente no Oriente Médio. Embora nas contas da AIEA apenas uma usina esteja sendo construída no Irã, no fim de novembro, o país anunciou sua intenção de erguer mais dez centrais.

¿ Não há um consenso na elite dirigente iraniana sobre o programa nuclear. Alguns acreditam na capacidade dissuasiva do programa bélico e querem obter uma bomba, enquanto outros defendem que ele tem um alto valor de barganha e dá ao Irã mais influência na região ¿ diz o especialista em Relações Internacionais da PUCRio, Nizar Messari, para quem o primeiro grupo está ganhando o embate.

A ameaça de proliferação de armas nucleares é um dos pontos controversos que rondam a fonte energética, uma vez que o plutônio, subproduto da geração de energia nos reatores, é matéria-prima para a bomba atômica.

Mesmo que um governo se comprometa a usar a energia nuclear para fins pacíficos, uma eventual mudança política pode alterar o seu uso, alerta o físico José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.

A incerteza quanto ao destino dos rejeitos radioativos é igualmente preocupante.

Como o combustível usado mantém elevado nível de radiação por milhares de anos, não pode ser descartado na natureza. É inicialmente mantido em piscinas de resfriamento nos próprios reatores e, depois, armazenado em depósitos intermediários para, enfim, ser colocado em repositórios definitivos. E ninguém sabe como manejar estes últimos.

¿ A energia nuclear tem vantagens, mas tem problemas que nenhuma outra fonte tem ¿ resume Goldemberg, que alerta para os lobbies de empresas e governos. ¿ Na China, e na França, o investimento é de estatais. E, nos EUA, foi aprovada, ainda na gestão Bush, um seguro que garante os investimentos das companhias, caso elas não cumpram os prazos das obras.