Título: À espera de socorro
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 27/01/2010, O Mundo, p. 27

Brasileiros ilhados pelas chuvas se queixam da demora no resgate em Machu Picchu

Mais de 48 horas após chuvas torrenciais que fecharam estradas e ferrovias, isolando o santuário inca de Machu Picchu, no Peru, centenas de turistas estrangeiros ¿ entre eles pelo menos 120 brasileiros ¿ se aglomeravam ontem em pousadas e até mesmo na praça principal do povoado de Águas Calientes, 450 metros abaixo da cidade histórica, aguardando socorro.

O governo peruano deu início a uma operação de resgate aéreo usando 20 helicópteros da polícia, mas, irritadas diante da falta de infraestrutura, centenas de pessoas queixavam-se da demora, da falta de informações, de água potável e comida.

¿ Depois de horas de incerteza sem qualquer ajuda, autoridades locais distribuíram água e comida. A noite de segunda-feira foi caótica.

Diante da demora, nos organizamos sozinhos e fizemos uma lista de quase 100 brasileiros. Chegamos a cogitar alugar um helicóptero particular para nos tirar daqui e nos reunimos na praça central para receber informações de porta-vozes do governo peruano ¿ contou a estudante carioca Larissa Rangel, de 19 anos.

A Embaixada do Brasil em Lima abriu uma sala de crise para atender os brasileiros. O embaixador Jorge d¿Escragnolle Taunay Filho anunciou uma investigação sobre as denúncias de brasileiros ilhados na região do temporal, que reclamaram por não terem conseguir contatar a representação diplomática do Brasil.

¿ Estávamos a postos. Não sei o que houve. Quando tomamos conhecimento da crise, começamos a atuar. Trata-se de uma região distante, onde as comunicações não são boas. Mas, não quero dar desculpas.

O plantão consular não respondeu por quê? Vamos investigar. Deve ter havido algum problema ou mal-entendido ¿ disse Taunay.

Contrariando a meteorologia, as condições climáticas melhoraram à tarde e o sol voltou a brilhar na região de Cuzco, agilizando o trabalho de ponte aérea realizado pelas autoridades locais para remover os turistas presos em meio às chuvas. Houve empurraempurra na disputa por um lugar nos helicópteros, com capacidade para 20 pessoas. Eles saem de Águas Calientes em direção à cidade de Ollantaytambo, de onde os turistas seguem numa viagem terrestre de mais 60 km até Cuzco. A prioridade ontem era embarcar crianças, idosos e pessoas com problemas de saúde, mas espera-se que o trabalho de retirada de todos seja concluído ainda hoje se o tempo continuar bom.

¿ Não há motivo para pânico e não há brasileiros feridos. Ainda havia um grupo em Machu Picchu, abrigado num hotel, e outro na trilha dos incas, num acampamento.

Demora um pouco, pois não há somente brasileiros, mas duas mil pessoas de outras nacionalidades ¿ lembrou o embaixador brasileiro.

Viajante recebeu pão e chá de coca

O contador catarinense Mauro Fornazari, de 44 anos, viajou com a esposa, Luiza, e os dois filhos, de 19 e 21 anos, para comemorar seu aniversário.

Moradores de Itajaí, eles chegaram a Machu Picchu no domingo e lamentam não terem sido informados em pontos turísticos das condições climáticas da região.

¿ O trem andava lentamente, pois a água do rio Urubamba transbordou e alcançou os trilhos. O trajeto, que deveria durar uma hora, durou duas.

Houve um pouco de negligência dos peruanos ao não informar que a situação era tão ruim. Se tivéssemos sido alertados, teríamos evitado o passeio ¿ contou, por telefone, ao GLOBO.

Com os poucos hotéis lotados, a família conseguiu abrigo na casa de uma peruana, amiga da guia turística. Os catarinenses vêm dividindo um cômodo de seis metros quadrados e apenas dois colchões com os dois filhos, dois estudantes cariocas e outros três guias turísticos. Segundo Fornazari, os brasileiros estão bem e não há pânico, apenas muita decepção pelas férias atrapalhadas e irritação pela descoordenação nos voos de helicóptero.

¿ A situação não é desesperadora, mas crítica, pela falta de expectativa de sair daqui. Tem muita gente exaltada. Ainda temos um pouco de dinheiro, mas estamos preocupados.

Por ser uma cidade turística, os preços são altos e o dinheiro está acabando ¿ explicou.

A superlotação repentina da cidade valorizou a moeda peruana em Águas Calientes. Se antes da tempestade um dólar valia 2,85 sóis, ontem os turistas trocavam cada dólar por 2,60 sóis.

Além do prejuízo de quem perdeu passagens aéreas de volta para casa, a estadia forçada e prolongada na região de Machu Picchu levou muitos a passar a noite na praça da cidade, sob pedaços de cartão, temendo ficar sem recursos suficientes para as despesas pessoais. O pernoite nas hospedarias pulou de 25 sóis para 50 sóis (cerca de R$ 31) e em todos os estabelecimentos que aceitam cartões de crédito, os preços dispararam.

Repórter da revista ¿Época¿, Victor Ferreira, está entre os brasileiros ilhados e disse que começa a faltar comida nas lojas da cidade. Alojado na estação de trem com outras dezenas de brasileiros, ele condena o tratamento dos peruanos aos visitantes. É impossível deixar o local sob pena de ser barrado, na volta, pela segurança.

¿ Há rumores de distribuição de água e comida em outros pontos, mas aqui na estação de trem, só nos deram pão e chá folhas de coca ¿ contou o jornalista, explicando que a tensão é devido ao fato de que a maioria dos viajantes costuma deixar as malas em Cuzco, trazendo pouco dinheiro para o passeio de um ou dois dias à capital inca encravada nos Andes.

Além dos helicópteros da Polícia, o primeiro-ministro do Peru, Javier Velásquez, visitou a região atingida pelas chuvas e determinou ainda o reforço de mais quatro helicópteros das Forças Armadas para acelerar a remoção dos estrangeiros. Num comunicado, a companhia ferroviária do país também anunciou o aluguel de um aparelho para ajudar nos esforços.

¿ Oxalá que o clima não nos impeça de remover toda essa gente ¿ disse o premier, que decretou estado de emergência por 60 dias em diversas províncias de Cuzco e Apurímac.

O Peru sofre as piores enxurradas dos últimos 15 anos. Um guia peruano e uma turista argentina de 20 anos morreram num deslizamento na trilha que leva a Machu Picchu, na região conhecida como Wiñay Wayna ¿ elevando para cinco o número total de mortes desde o início das enchentes. Segundo a Defesa Civil do Peru, somente na província de Cuzco, mais de 600 casas foram atingidas pelas chuvas e há 1.1175 desabrigados. Além da ferrovia de acesso a Machu Picchu, estradas foram fechadas e várias pontes caíram, como a de Pisac, que liga Cuzco ao Vale Sagrado dos Incas e a ponte de Petroperú, que dá acesso aos depósitos da empresa petrolífera estatal.

De acordo com o jornal ¿El Comercio¿, o chefe da Associação das Agências de Turismo de Cuzco, Marco Ochoa, avalia o prejuízo provocado pela suspensão do turismo a Machu Picchu em US$ 1 milhão por dia. A cidade sagrada tem a visitação suspensa pelo menos até quinta-feira. As perdas com agricultura, educação e transportes devem superar os US$ 172 milhões.

Um dos mais duros golpes foi sofrido pela agricultura, completamente debaixo d¿água na região do vale de Huatanay, pólo produtor de milho, cevada, quinoa, chá e café, além da mineração de ouro. As estimativas iniciais dão conta da destruição de pelo menos 80% da safra peruana.