Título: Zelaya faz as malas para sair da embaixada brasileira
Autor: Oliveira, Eliane ; Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 27/01/2010, O Mundo, p. 29

Lobo assume hoje a Presidência de Honduras e Brasil pode rever sua posição em relação ao novo governo

SÃO PAULO e BRASÍLIA. Foi um dia de arrumar malas, lavar o terraço, consertar móveis e recolher lixo no quintal em um clima de alívio contido que envolvia ontem o grupo do presidente deposto Manuel Zelaya na embaixada brasileira. Hoje, o presidente eleito de Honduras, Porfirio ¿Pepe¿ Lobo toma posse e Zelaya deve deixar o país diretamente para a República Dominicana.

Ontem, Zelaya acordou por volta das 10h, e logo chamou funcionários brasileiros da representação diplomática para um agradecimento especial.

Chegou a se emocionar, ao lado da mulher, Xiomara, enquanto lembrava dos mais de quatro meses em que permaneceu ali, refugiado.

¿ Recebi aqui o carinho de uma família ¿ dissera o presidente deposto de Honduras.

Ele mesmo ajudou a separar numa das malas quase toda a roupa de cama e mesa que dividiu nas últimas semanas com oito pessoas, entre familiares, assessores e um segurança.

Depois, guardou num saco preto o violão que lhe fez companhia quase todas as noites.

Chegou a aprender MPB.

Simpatizantes vão esperar por Zelaya no aeroporto

O possível exílio na República Dominicana rendeu ontem longas conversas por telefone com os quatro filhos. Pelo menos um deles, a filha mais nova, de 19 anos, deve seguir para a nova empreitada com os pais até que um dia a família possa regressar ao país. Um assessor de Zelaya revelou dias atrás que ele pretende passar algum tempo na Cidade do México.

¿ Fui convidado pelo presidente (Leonel) Fernández para ir à República Dominicana, e aceitei. Vou embora com ele, com a aprovação, claro, do governo de Porfirio Lobo Sosa ¿ disse Zelaya à Rádio Globo de Honduras.¿ Minha ideia é regressar um dia. Não sei quanto tempo passará, mas voltarei.

Do lado de fora da embaixada, aumentou nos últimos dois dias o número de militares que fazem a segurança usando fuzis.

Se não receber o salvo-conduto, Zelaya pode ser preso ao deixar a embaixada.

Uma missão diplomática chegou ontem a Tegucigalpa, capital de Honduras, para negociar com Lobo a concessão do salvoconduto para Zelaya. Desembarcaram no país o presidente da República Dominicana, além do subsecretário do governo americano para América Latina, Arturo Valenzuela, e do secretário adjunto de Estado para o continente americano, Craig Kelly. A ideia é reduzir danos diplomáticos ao país, que já fora condenado por parte da comunidade internacional, que não reconhece o governo interino de Roberto Micheletti.

A expectativa é que Zelaya deixe a representação diplomática após a posse de Lobo. A presença de Fernández é para garantir ao presidente deposto sua viagem para Santo Domingo, capital dominicana, enquanto corre o processo em Honduras contra ele. Zelaya é acusado de traição à pátria e desobediência civil por tentar levar adiante um plebiscito para alterar a Constituição do país. Ontem, o Congresso hondurenho começou a debater um projeto da lei para anistiar todos os envolvidos na crise. Mas, mesmo que o projeto fosse votado antes da posse, não era garantido que entrasse em vigor imediatamente.

Funcionários da representação diplomática informaram que a expectativa é que o presidente deposto deixe o prédio cercado por batedores. Se obtiver o salvo-conduto, ele, a mulher, a filha e um assessor terão de seguir direto para o aeroporto.

O governo brasileiro já informou que não trabalhará na missão de acompanhar Zelaya.

O clima é de tensão em Honduras.

A Frente Nacional de Resistência Popular realizará manifestações e esperará por Zelaya no aeroporto.

¿ Não é conveniente que venham à embaixada. Isso seria interferir no processo de minha saída e me complica as coisas ¿ disse Zelaya à rádio.

Ontem, um veredicto da Corte Suprema considerou inocentes os seis generais da junta de comandantes das Forças Armadas que expulsaram Zelaya em junho, rumo à Costa Rica. Segundo o veredicto, os militares atuaram com ¿com fins justificados como preservar a democracia¿.

Ao assumir a Presidência, Porfirio ¿Pepe¿ Lobo tem o desafio de governar dividido e isolado internacionalmente. Na posse, estarão ausentes a maioria dos presidentes. Até ontem haviam confirmaram a presença apenas os presidentes de Panamá, República Dominicana e Taiwan. Lobo espera que, após ser empossado, seja mais fácil restabelecer as relações com os demais países.

O presidente eleito assistiu ontem a uma missa pela reconciliação nacional e deu um sinal da tentativa de formar um governo de união ao anunciar os nomes de seu Gabinete. Ele informou que ex-candidatos presidenciais serão nomeados para o Ministério do Trabalho, Felícito Ávila; Cultura, Bernard Martínez; e para o Instituto Nacional Agrário (INA), Cesar Ham.

Governo brasileiro ouvirá a avaliação do Grupo do Rio

O governo brasileiro, que sempre relutou em reconhecer as eleições, poderá rever sua posição. A flexibilização depende de dois fatores: a avaliação dos chefes de Estado do Grupo do Rio (mecanismo permanente de consulta e concertação política da América Latina e do Caribe), que se reunirão no próximo mês, no México; e os próximos passos de Lobo no sentido de restabelecer a democracia.

¿ Vamos ter uma ideia clara, mais arejada, do que pensam os demais países da região ¿ disse um alto funcionário do governo brasileiro.

Por enquanto, o Brasil considera que as eleições não devem ser legitimadas, por considerar que houve um golpe de Estado.

Mas o gesto de Lobo, no sentido de buscar uma saída para que Zelaya possa embarcar para a República Dominicana com o status de ¿hóspede de honra¿, agradou o governo brasileiro. O porta-voz da Presidência, Marcelo Baumbach, disse ontem que Zelaya não entrou em contato com o governo para dizer quando deixará a embaixada.

¿ Não há qualquer intenção do governo brasileiro de pedir a saída do presidente Zelaya. A sua presença na embaixada não é um problema. O problema, para o Brasil, foi o alijamento do presidente Zelaya do poder, do governo. O governo brasileiro continua atento à situação em Honduras ¿ disse o porta-voz.

A avaliação interna é que a posição do Brasil já não é mais tão radical quanto antes. Esses sinais foram emitidos, no mês passado, pelo chanceler Celso Amorim, ao dizer que o governo brasileiro não iria reconhecer as eleições ¿a curto prazo¿ e que a grande prioridade era garantir que Zelaya saísse da embaixada com segurança. Ele mostrou desconfiança em relação às autoridades hondurenhas: ¿ Como se pode confiar na palavra de um presidente nomeado em uma eleição fraudulenta? ¿ perguntou Amorim.

Com agências internacionais