Título: Uma referência
Autor:
Fonte: O Globo, 28/01/2010, O País, p. 6

Com a decisão de afastar o desembargador Roberto Wider, corregedor-geral da Justiça do Rio de Janeiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) marca uma posição forte, necessária e oportuna contra um dos piores males da atual realidade brasileira, a impunidade. Wider é acusado de favorecer a ação do lobista Eduardo Raschkovsky na Justiça fluminense e de lavrar decisões em troca de propinas, como revelou O GLOBO em novembro de 2009.

O desembargador, por decisão unânime do CNJ, tomada na terçafeira, perdeu o cargo e será processado na esfera administrativa. Segundo denúncias, o lobista, amigo de Wider, interferia em nomeações de oficiais de cartórios de notas feitas pelo desembargador, além de negociar com políticos despachos do corregedor, quando ele presidia o Tribunal Eleitoral do estado. Duro com os fichas-sujas, Roberto Wider criaria dificuldades para o amigo comercializar facilidades.

Quando foi instituído, com a aprovação da emenda constitucional da reforma do Judiciário, no final de 2004, o CNJ era entendido como instrumento do ¿controle externo do Judiciário¿. Termo inapropriado, pois não se tratava de uma intervenção ¿de fora¿ nos tribunais, mas um reforço na Corregedoria e, tanto quanto isso, a criação de uma instância reguladora, sem, por óbvio, interferir na imprescindível independência do magistrado para julgar. O CNJ tem correspondido às melhores expectativas, nos dois planos: na correção e no estabelecimento e uniformização de princípios administrativos, algo inexistente no talvez mais atrasado segmento da máquina pública, do ponto de vista gerencial.

Um Poder Judiciário forte, isento, zelador da Constituição, é fundamental em qualquer país. Em especial no Brasil, em que, apesar de duas décadas e meia de estabilidade democrática, há inclusive iniciativas do próprio Executivo contra liberdades garantidas na Carta; e existem desmandos no Legislativo capazes de solapar a crença da sociedade no regime da democracia representativa, o melhor que a Humanidade conseguiu desenvolver.

Por sugestiva coincidência, o ato do CNJ no caso Wider ocorre enquanto deputados distritais em Brasília executam uma patranha para saírem impunes ¿ eles e o governador Arruda ¿ do escândalo do mensalão do DEM, enquanto o presidente Lula faz pouco-caso da legislação eleitoral e desfila com a candidata Dilma Rousseff por palanques, atropelando o calendário eleitoral. São casos típicos de uma sociedade com valores entorpecidos pela impunidade quase generalizada.

A decisão do CNJ de processar o desembargador precisa ser entendida como um parâmetro para a vida pública.