Título: Vannuchi: governo deve recuar sobre aborto
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 28/01/2010, O País, p. 10

Para ministro, decreto sobre direitos humanos continha erros, mas objetivo final do plano não é revanchismo

PORTO ALEGRE. O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, admitiu ontem que houve erros na elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos 3, e que o governo deve voltar atrás em mais um ponto: a defesa da descriminalização do aborto. A redação do trecho deve mudar, para retirar pontos de vista que correspondem à opinião do movimento feminista, e não do presidente Lula. De acordo com o ministro, os recuos são saudáveis na democracia.

¿ A maneira como o aborto está colocada deve ser reformulada.

Ela responde a um ponto de vista das mulheres.

Essa é uma bandeira feminista.

E o governo, o próprio presidente da República não a tem. Então, eu tenho que me responsabilizar e dizer que faltou a mim... Eu sou o responsável, não é ele, não é a ministra Dilma (Rousseff), sou eu.

Segundo o ministro o trecho que diz ¿Apoiar a descriminalização do aborto¿ seria menos polêmico se terminasse aí, mas o complemento ¿tendo em vista a autonomia das mulheres para decidir sobre seu próprio corpo¿ é uma bandeira do movimento feminista.

¿ É um saudável recuo ¿ definiu o ministro.

O governo já tinha recuado em relação ao programa e retirou a expressão repressão política, na parte que trata da apuração de casos de violação de direitos no contexto do regime militar, para amenizar a crise entre Vannuchi e o ministro da Defesa, Nelson Jobim. Vannuchi

disse ainda que não se sente ¿derrotado¿ e que recuos ¿acontecem diariamente na vida política e nas relações pessoais¿.

¿Ninguém quer colocar ninguém na masmorra¿

Sobre a criação da Comissão Nacional da Verdade, que causou polêmica, Vannuchi disse que a comissão não é uma revanche, nem ¿jogará na masmorra¿ os criminosos do passado. O ministro reclamou de ter sido alvo de um linchamento e sugeriu que há um surto de ataque conservador no país. Para Vannuchi, há até quem gostaria de reeditar o Doi-Codi, órgão de repressão da ditadura militar brasileira.

¿ Não é uma revanche. Ninguém aqui quer colocar ninguém na masmorra, para que morra lá. Ao contrário: o que se quer é jogar luzes sobre o passado, para que ele não aconteça nunca mais ¿ disse o ministro, que participou do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.

Vannuchi reclamou que chegou a ser chamado de terrorista e avaliou que o programa foi contaminado pelo ano eleitoral.

Para ele, o programa incomoda muitos setores porque trouxe à tona a possibilidade de reverter a impunidade: ¿ A reação que houve não é uma coincidência, não é por acaso. O que há de referência ao aborto, à união civil entre pessoas do mesmo sexo, com a possibilidade de adoção, a proposta de ranking das matérias de imprensa, toda essa caminhada faz parte de uma formação histórica. A comissão talvez tenha puxado um fio da mãe de todas as impunidades.

Ele pediu aos movimentos sociais que aumentem a pressão em suas bases, para que o país consiga ampliar sua democratização.