Título: Entidades defendem manutenção do decreto
Autor: Éboli, Evandro ; Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 31/12/2009, O País, p. 3
ONGs criticam recuo de Lula: "Os militares deveriam ser os primeiros a esclarecer tudo"
BRASÍLIA. Entidades da sociedade civil são contra qualquer alteração no texto do Programa Nacional de Direitos Humanos para atender aos militares. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes das três Forças exigem mudanças no capítulo que prevê a revisão da Lei da Anistia e que seja protelado o envio ao Congresso do projeto que cria a Comissão Nacional da Verdade. Para essas ONGs, o presidente Lula deveria ter defendido o decreto que assinou e publicou no Diário Oficial, e não prometer um recuo para agradar aos militares. Cecilia Coimbra, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio, disse que a atitude do presidente foi lamentável.
¿ É lastimável que, em nome de uma pseudogovernabilidade, o governo recue dessa maneira. E é preciso também enaltecer o esforço dos ministros Vannuchi e Tarso Genro. Gostaria muito que as posições deles fossem as vencedoras, mas, infelizmente, não são ¿ disse Cecilia Coimbra.
A ativista afirmou ainda que os militares aproveitaram um momento de desmobilização dos movimentos sociais, no fim do ano, para pressionar o presidente.
¿ O curioso é que os militares pediram demissão por conta de algo que dizem não temerem, que é a abertura dos arquivos e apuração dos fatos. Deveriam ser os primeiros a esclarecer tudo. Ninguém quer prisão de general ou coronel, mas que a verdadeira história daquela época chegue à sociedade, que os arquivos sejam abertos de forma ampla, geral e irrestrita. E que os culpados sejam responsabilizados.
O presidente da OAB, Cezar Britto, criticou, em nota, a pressão de Jobim para que Lula faça uma revisão do texto.
Para ele, há setores militares que querem esconder o passado. ¿Um país que se acovarda diante de sua própria história não pode ser levado a sério. O direito à verdade e à memória garantido pela Constituição não pode ser revogado por pressões ocultas ou daqueles que estão comprometidos com o passado que não se quer ver revelado¿, afirmou Britto.
Para ele, anistia não é amnésia.
¿Negar simplesmente a história, ou tentar escondê-la a todo custo, é querer contá-la de novo, especialmente nas suas páginas mais obscuras, excludentes e nefastas¿.
OAB-RJ quer que Lula aceite pedidos de demissão O deputado Pedro Wilson (PT-GO), ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, disse acreditar que o embate será superado sem demissões de militares, de Jobim ou de Vannuchi. Para Wilson, um dos parlamentares mais próximos a Vannuchi, o ministro da Secretaria de Direitos Humanos já deu demonstração de que está disposto ao entendimento.
¿ O Vannuchi está firme, tranquilo.
A situação é difícil. Mas ele deve continuar negociando ¿ disse.
O coordenador-geral do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, Gilson Cardoso, que participou da elaboração do programa, disse que as desavenças entre os dois setores apareceram nos debates.
¿ O capítulo específico sobre o ¿Direito à memória e à verdade¿, inicialmente, não estava previsto, mas ganhou força durante os dois anos de debate. Mas acho que Lula, nem ninguém, pode mexer no resultado ¿ disse Cardoso.
O dirigente lembrou que parte do texto é conclusão da Conferência Nacional de Direitos Humanos.
¿ Lula se orgulha de ter realizado tantas conferências e não pode agora virar as costas para elas. Se mudança houver, vai ficar muito mal.
O presidente da OAB do Rio, Wadih Damous, defendeu, em nota, que Lula aceite a demissão de Jobim e dos três comandantes. Para Damous, foi um retrocesso Lula ter cedido: ¿O correto seria Lula ter aceitado o pedido de renúncia.
Não se admite mais, após anos de ditadura, que o Brasil e o seu governo ainda se vejam submetidos aos caprichos dos chefes militares¿.