Título: Temor de crise com desequilíbrio de EUA e China
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 01/02/2010, Economia, p. 18

Presidente do BC brasileiro acredita em melhora no sistema financeiro, mas não descarta nova turbulência global

DAVOS. Para o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, uma nova regulamentação dos bancos e instituições financeiras vai melhor o quadro global. Mas ele alerta: há o temor de que apenas arrumar o sistema financeiro não impeça outra crise. É preciso, segundo Meirelles, resolver um desequilíbrio central: o fato de os Estados Unidos continuarem consumindo muito, e a China, muito pouco.

Constatou-se que não há solução rápida para a confusão deixada pela crise: endividamento dos governos e desemprego. O FMI queixa-se de falta de coordenação e lentidão na reforma do sistema financeiro. Qual sua avaliação?

HENRIQUE MEIRELLES: Discutiram-se aqui dois temas interrelacionados. O primeiro é o desequilíbrio macroeconômico global. Durante a última década, temos visto os Estados Unidos consumindo muito, com baixo nível de poupança, alta alavancagem, déficits em conta corrente e público. Já a China tem baixo nível de consumo doméstico, alto nível de exportação e poupança. A China usa a poupança para financiar o déficit americano. Dentro desse processo, tivemos os problemas regulatórios dos mercados financeiros americano e europeu.

E agora?

MEIRELLES: Agora o foco da discussão é a nova regulamentação que está sendo estudada, por decisão do G-20, pelo Conselho de Estabilidade Financeira, que está emitindo diretrizes que serão reguladas pelo Comitê da Basileia. Espera-se que estas sejam totalmente implementadas até o início de 2012. Espera-se que todos os países sistemicamente importantes adotem esse padrão. Paralelamente, alguns países, como EUA e França, podem tomar decisões individuais.

O que já estão fazendo?

MEIRELLES: Sim. O que se discute é que essas decisões (individuais) deveriam ser consistentes com as diretrizes do Conselho de Estabilidade Financeira.

O tom do diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, foi de queixa: o processo de regulamentação está lento e tem que ser mais bem coordenado.

MEIRELLES: Não ouvi e não vou comentar. Acho que os trabalhos do Conselho de Estabilidade Financeira e do Comitê da Basileia estão num ritmo adequado. A questão é saber até que ponto os países vão, de fato, adotar essas regulamentações. A questão prudencial do sistema financeiro é uma parte importante da crise. Mas como resolver o desequilíbrio entre EUA e China? O receio que temos é sair da crise com o mercado financeiro mais bem regulado, mas continuar com esse desequilíbrio.

Se ele persistir, o que ocorre?

MEIRELLES: O que se teme é que isso possa gerar uma nova crise. Mas alguns acham esse processo não chegará ao extremo porque não haverá o sistema financeiro para alavancá-lo. A China argumenta que uma solução é os EUA adotarem uma política monetária mais realista, subir a taxa de juros e dar menos liquidez ao dólar - este se valorizaria mais, puxando a moeda chinesa. Os americanos acham que não. E dizem que a China deveria valorizar sua moeda por conta própria, na medida em que não há necessidade de ela estar atrelada ao dólar.

O senhor vê uma solução?

MEIRELLES: Acho que a solução vai se dar de duas formas e será gradual. De um lado, a regulamentação mais rígida nos EUA diminui a alavancagem da sociedade americana, o que vai diminuir o consumo e aumentar a poupança. E o aumento do poder de compra dos chineses é real hoje. Ou seja, o desequilíbrio vai ser gradualmente reduzido, mas não na velocidade que muitos esperavam que fosse, como resultado da crise.

Há outra preocupação?

MEIRELLES: O endividamento dos países que sofreram com a crise.

Até que ponto todos esses desequilíbrios podem afetar emergentes, como o Brasil?

MEIRELLES: Desequilíbrios geram crises, que são sempre negativas. Mas o Brasil está particularmente bem preparado hoje, melhor que outros países, para enfrentar crises. Agora, evidentemente, desequilíbrio e crise não são bons para ninguém.

E o que precisamos fazer para estar mais bem preparados?

MEIRELLES: Manter a atual política macroeconômica.