Título: Chávez desafia oposição a afastá-lo
Autor:
Fonte: O Globo, 01/02/2010, O Mundo, p. 21

Presidente da Venezuela pede "nervos de aço" a Gabinete

CHÁVEZ, FÃ declarado de softball, modalidade semelhante ao beisebol, se deixa fotografar arremessando numa partida comemorativa do aniversário da Guarda Nacional, em Caracas. A expressão "estás ponchado" (está fora) saiu dos estádios do esporte e ganhou as ruas com os manifestantes contra o governo

Cada vez mais encurralado por uma crescente onda de insatisfação popular e por uma grave crise política e econômica, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, desafiou ontem a oposição a recolher assinaturas para convocar um referendo para derrubar seu governo. Na 350ª edição do programa "Alô, Presidente", Chavéz descartou qualquer possibilidade de rebelião ou golpe de Estado na Venezuela. Ele pediu que o Gabinete tenha "nervos de aço" para superar a crise e reafirmou que a onda de protestos que tomou conta do país na última semana é obra de "conspiração da oligarquia" e que a única revolução possível no país é a "contra os burgueses".

- Nenhum líder oposicionista se atreveu a responder a pergunta: Por que não convocam um referendo? Se dizem que a maioria está com vocês e que aqui (no governo) só restaram uns quatro pobres coitados abandonando o barco... Mais uma vez volto a recomendar que, se Chávez está fora, se Chávez não é luz, se Chávez está acabado, bem, me afastem! Com toda a energia gasta nessa loucura, toda tinta e papel, que organizem um grupo, peçam o referendo. Vamos ver se dizem mesmo que estou acabado. Ninguém vai impedi-los - desafiou.

Imprensa local vive "zona de desastre"

Chávez usou o programa para ler fragmentos de reportagens publicadas na imprensa local criticando o governo de Caracas. Depois de tirar do ar cinco canais de TV a cabo do país - desencadeando uma onda de manifestações estudantis que tomou as ruas de várias cidades e deixou dois estudantes mortos em choques com a polícia na semana passada - o presidente ontem anunciou que vai pedir ao Ministério Público uma punição ao jornal "Tal Cual", alinhado à oposição, por "desrespeito à democracia venezuelana". Na última sexta-feira, o diário publicou em sua primeira página uma crônica humorística intitulada "Venezuela sem Esteban", ilustrada com imagens dos choques nas ruas e dos líderes cubano, Fidel Castro, e nicaraguense, Daniel Ortega.

O jornalista Laureano Márquez conta no texto a história da Venezuela pós-Chávez, onde chavistas armados destroem o pouco que restou do país, enquanto o presidente foge para Cuba. "Vinte anos mais tarde, morre oficialmente Fidel Castro e Raúl pede que Esteban deixe Cuba", relata a crônica.

Em 2007, o mesmo jornalista publicara uma carta humorística endereçada a uma das filhas de Chávez e fora multado em US$50 mil. O dinheiro da multa foi angariado numa mobilização feita pelos leitores do jornal.

- Peço que reflitam. Uma Venezuela sem Chávez e sem a revolução é uma Venezuela de volta ao passado, onde o povo não tinha recursos e só se dava mal - contra-atacou o presidente, referindo-se às previsões feitas na crônica.

As três maiores associações de imprensa venezuelanas saíram em defesa do jornalista e publicaram um manifesto declarando o país uma "zona de desastre para a liberdade de expressão e o exercício do jornalismo".

Tentando mostrar bom humor, Chávez mencionou ainda as manifestações estudantis contra o fechamento das redes de TV a cabo e os cortes de água e energia elétrica, que usaram como slogan a expressão usada no softball "Estás ponchado!" (Está fora!). Depois de se deixar fotografar durante uma partida na base militar de Tiuna, em Caracas, ele disse que não vai se deixar levar por "provocações".

- Ontem, no jogo, ninguém me afastou - disse ele, recorrendo à expressão "ponchar" em castelhano.

Além das ruas, o descontentamento com o presidente chegou até seu círculo próximo de aliados. Na semana passada, Chávez nomeou um novo vice-presidente e dois ministros para substituir demissionários. Analistas já preveem a derrocada do Partido Socialista Unido de Venezuela nas eleições legislativas, previstas para setembro.