Título: Estupros e tráfico de crianças preocupam no Haiti
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 30/01/2010, O Mundo, p. 29

Em campos de sobreviventes do terremoto em Porto Príncipe, ainda faltam comida e água

PORTO PRÍNCIPE. Pouco mais de duas semanas após o terremoto que arrasou o Haiti, cresce a preocupação com questões ligadas à segurança. Enquanto casos de saques continuam ocorrendo, a polícia local denuncia que, desde o tremor, houve registros de estupros de crianças e mulheres. E o tráfico internacional de menores ¿ tornados órfãos ou separados dos pais na catástrofe ¿ para adoção ou remoção de órgãos é ¿um dos maiores problemas¿, segundo o primeiro-ministro Jean Max Bellerive.

O Departamento de Estado dos EUA prometeu atuar com o governo haitiano na prevenção do sequestro de crianças.

Nos acampamentos, rotina marcada pelo improviso

As praças e os terrenos vazios estão sendo usados para acampamentos improvisados, à base de pedaços de pau e lençóis. Famílias inteiras vivem em condições insalubres, onde falta comida e sobra mão-de-obra em busca de emprego ¿ inexistente.

Casos de diarreia, tétano e sarampo se multiplicam. Há ao menos 400 campos de refugiados na capital. A rotina é marcada pelo improviso. Banheiros não há; moradores são obrigados a escolher um local para fazer suas necessidades. Banho nem sempre é possível. Onde há um cano, crianças e adultos lavamse à vista dos outros.

Os que conseguiram salvar alguns pertences, incluindo alimentos, fazem comida e vendem.

Refrigerantes, água, remédios, sapatos, roupas usadas também são parte do comércio.

Em sua maioria, esses ambulantes perderam suas casas, mas recuperaram o material de trabalho.

O difícil é achar cliente.

Outros não têm a mesma sorte.

Ao lado da barraca de Thony Jean François, há três panelas.

Vazias. Ele foi morar na praça Mais Gâté com outras seis pessoas ¿ quatro delas crianças.

Thony busca emprego diariamente, mas não encontra.

¿ Alimento meus filhos com o que consigo pela cidade, mas é insuficiente ¿ diz, lamentando que a ajuda humanitária ainda não chegou ao acampamento.

Miguel Cebal, que tem Aids, reclama da falta de remédios. Ao ver um jornalista branco, acompanhao e se oferece para traduzir o creole para o inglês. Disse que sua mulher perdeu um braço e que dois filhos morreram.

Entidades de ajuda humanitária começaram a montar barracas mais estruturadas nos acampamentos.

Mas são poucas. O premier Bellerive, em conversa com o chanceler Celso Amorim, sábado passado, disse que o país necessita de mais tendas. O governo haitiano quer montar campos de refugiados fora do Centro. A companhia de engenharia do Exército brasileiro trabalha na terraplanagem de um terreno que servirá para receber cerca de 30 mil moradores.

Ontem, a Unctad, agência de comércio e desenvolvimento da ONU, pediu o cancelamento de toda a dívida externa haitiana, de US$ 1 bilhão. E o primeiro bote com fugitivos haitianos, com 122 pessoas, foi apreendido em frente às ilhas de Turks e Caicos.