Título: Procurador-geral é contra revisão da Lei da Anistia
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 31/01/2010, O País, p. 9

Parecer de Roberto Gurgel é entregue ao STF, que julga ainda este ano ação proposta pela OAB

BRASÍLIA. O procuradorgeral da República, Roberto Gurgel, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF), sexta-feira, se posicionando contra a revisão da Lei da Anistia. A ação, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defende que a lei não beneficiou agentes do Estado que torturaram e assassinaram opositores do regime militar. A ação deve ser julgada pelo STF ainda este ano.

No entendimento de Gurgel, a anistia resultou de um longo debate nacional, com a participação de diversos setores da sociedade civil, e viabilizou a transição do regime militar para a democracia atual. ¿A interpretação ampliativa (da Lei de Anistia) orientou-se pelo princípio de reconciliação e pacificação nacional, de modo a incluir diversas espécies de crimes praticados por motivação política... Acatar a tese da arguente (OAB) para desconstituir a anistia como concebida no final da década de 70 seria romper com o compromisso feito naquele contexto histórico¿, afirma Gurgel no parecer.

Em boa parte das 40 páginas do documento, o procuradorgeral busca demonstrar a ambiguidade da OAB ao lembrar que, naquela época, a instituição se posicionou a favor da Lei de Anistia, inclusive admitindo o perdão para torturadores.

¿Para melhor dimensionar a sua forte oposição, na época, à tese que agora defende aguerridamente não há melhor fonte senão o próprio Conselho Federal¿, diz Gurgel, que incluiu no parecer trecho do manifesto da OAB, assinado pelo então conselheiro Sepúlveda Pertence, que já ocupou o cargo de procuradorgeral da República.

¿Nem a repulsa que nos merece a tortura impede reconhecer que toda a amplitude que for emprestada ao esquecimento penal desse período negro de nossa história poderá contribuir para o desarmamento geral, desejável como passo adiante no caminho da democracia. A violência da repressão política foi tolerada ¿ quando não estimulada pelos altos escalões do poder ¿ que uma eventual persecução penal de seus executores materiais poderá vir a ganhar certo colorido de farisaísmo¿, defendeu Pertence no texto da OAB.

Gurgel recorreu também a um manifesto de artistas, em 1979, que defendia a anistia para todos os perseguidos políticos, inclusive os que já haviam sido condenados, excluídos inicialmente da lei. ¿Não é hora de apontar quem atirou a primeira pedra¿, dizia o texto, que incluía os agentes do Estado.

Por outro lado, Gurgel defende a abertura dos arquivos da ditadura. Há uma ação do Mistério Público, nesse sentido, tramitando no STF. ¿É evidente que reconhecer a legitimidade da Lei de Anistia não significa apagar o passado... Se o Supremo reconhecer a legitimidade da Lei de Anistia, e, ao mesmo tempo, afirmar a possibilidade de acesso aos documentos históricos como forma de exercício do direito à verdade, o Brasil certamente estará em condições de prosseguir na construção madura do futuro democrático¿.