Título: Um Brasil de taxas
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 31/01/2010, Economia, p. 23

Na casa, no carro, no casamento, no lazer, nas viagens e no banco, mais de 40 cobranças por ano

O brasileiro, além de arcar com uma carga de impostos que come 36,8% da economia do país, carrega no orçamento mais 40 taxas por ano. Desde um simples saque no caixa eletrônico à compra de um imóvel, há taxas para tudo. Elas aparecem em maior número no extrato bancário (que também custa em média R$ 1,67 se o correntista fizer mais de duas consultas por mês).

Para se ter uma conta em banco, usando serviços considerados prioritários pelo Banco Central (BC), há uma lista de 20 taxas. Mas nessa relação, não consta, por exemplo, o envio de talão de cheques pelo correio, serviço considerado especial.

Segundo o BC, é até possível ficar livre das tarifas bancárias, mas é preciso ter hábitos espartanos. São de graça o cartão de débito, dez folhas de cheque, quatro saques e dois extratos por mês, consultas na internet, duas transferências de contas do mesmo banco e compensação de cheques. Em qualquer outro serviço, entra a taxa.

Essa padronização das tarifas (que são taxas cobradas por instituições privadas) só surgiu em 2008, com a regulação do Banco Central.

Para manter sua casa em dia, é necessário pagar taxa de incêndio, de lixo, de iluminação pública. Não há como fugir, pois estão embutidas no carnê do IPTU e nas contas de luz. Para ter um carro, a cobrança começa na compra. Paga-se o documento único do Detran de Arrecadação, o Duda. Se a compra for financiada, outro Duda.

Passado o momento da compra, anualmente o motorista paga, com o IPVA, mais quatro taxas, desde a emissão do documento do carro até o boleto bancário.

O custo só com as taxas chega a R$ 216,34, fora o imposto.

Antes mesmo antes de se comprar o carro, há as cobranças para se conseguir a primeira carteira de motorista.

Nesse caso, paga-se no Rio R$ 194,07.

Cinco anos depois, para renovação da carteira, mais R$ 129,86. E não para por aí. O pedágio é a outra taxa embutida no custo do transporte. Mesmo serviços que reduzem o custo das empresas, como os cartões que permitem a passagem sem parar nos pedágios nas estradas ¿ o que diminui o custo com mão de obra mdash; são fornecidos mediante uma taxa mensal

De graça, só nascer e morrer

Até nos momentos mais felizes, como o casamento, o custo é alto.

Paga-se R$ 226 no cartório. E, se o casamento não der certo, o divórcio pode custar cerca de R$ 500 se houver bens a serem repartidos.

¿ Ultimamente, tem havido os casamentos coletivos onde o custo é menor e bancado pelos tabeliões ¿ afirma Rogério Bacellar, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR).

De graça, só para nascer e morrer.

Nada é cobrado para tirar certidão de nascimento e de óbito.

O sonho da casa própria vira um pesadelo com as taxas embutidas nos financiamentos e nos cartórios.

Pode chegar a mil reais o custo para a escritura e o registro de imóveis.

No empréstimo, só para administração do contrato, há taxa mensal de R$ 25. Em 30 anos, prazo máximo de financiamento, esse custo chega a R$ 9 mil. Sem esquecer a taxa de avaliação do imóvel de R$ 339: A advogada Alessandra Koszura, do escritório Davis & Koszura, afirma que as pessoas devem reclamar, mesmo das taxas mais baratas, na Justiça, nos órgãos de defesa do consumidor ou no próprio cobrador: ¿ Em um pequeno serviço, isso pode ser pouco impactante, mas sabemos que há contratos de financiamento de imóveis nos quais se cobra, ilegalmente, Assessoria TécnicoImobiliária. Custa 0,88% do valor do bem. Em um apartamento de R$ 400 mil, isso significa R$ 3.520.

Cobrança livre nos cartões de crédito

No cartão de crédito, não há, como nos bancos, regulação sobre a cobrança de tarifas. Portanto, vale tudo.

Desde taxa de reanálise de crédito à emissão de boleto bancário. Essa última foi questionada pela funcionária pública Angela Salomão. O cartão Leader cobrou um seguro não autorizado e a emissão do boleto.

¿ Disseram que eu poderia pagar na própria loja ou pagar a taxa.

Cancelei o cartão.

Em resposta à carta da leitora enviada à Coluna Defesa do Consumidor do jornal, a Leader repetiu a justificativa dada à consumidora: pagando na loja, sem taxa.

O professor Adrianno de Oliveira também se surpreendeu ao ter que pagar R$ 20 para resgatar os pontos de fidelidade no seu cartão do Banco do Brasil e trocar por milhas.

¿ Fui aconselhado pelo banco a demorar mais a fazer os resgates. Já tinha resgatado antes e não me cobraram nada. É absurdo um programa de fidelidade cobrar tarifas além das que já pagamos pelo cartão.

O Banco do Brasil informa que a taxa é devida e de acordo com as normas do Banco Central.

Denilson Molina, da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), afirma que o mercado é livre e que a concorrência evita os abusos: ¿ As empresas podem fixar livremente as taxas e seus valores, mas têm de seguir o nosso código de conduta, que estabelece que nenhuma taxa pode ser cobrada sem o conhecimento do cliente.

Nos bancos, mesmo que o cliente seja controlado, é difícil manterse imune às tarifas. Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), um teste nas agências mostrou que é difícil abrir conta sem contratar um pacote de tarifas.

¿ Constatamos que, nas agências, sempre levam o consumidor a escolher um dos pacotes vendidos pelo banco. É importante listar os serviços que mais se usa. Em alguns casos, é melhor pagar uma ou outra tarifa avulsa do que contratar um pacote ¿ aconselha a economista do Idec, Ione Amorim.

Também é importante não ter preguiça de reclamar nas ouvidorias do próprio banco, no Banco Central ou nos Procons. Já o caminho para evitar as taxas públicas é mais difícil.

Somente ações coletivas na Justiça conseguem, às vezes, derrubálas, como explica o tributarista Lázaro Rosa da Silva, do Centro de Orientação Fiscal (Cenofisco).

¿Como os valores das taxas em geral é pequeno, é mais eficiente entrar com ações coletivas. A taxa tem de ser paga em troca de um serviço e somente para cobrir o seu custo e não consigo vislumbrar, por exemplo, qual o custo de transferência de titularidade de um carro.

A comodidade para assistir a programas culturais também tem um preço, e alto. A compra pela internet pode chegar a quase R$ 90, dependendo do espetáculo. Mesmo pagando essa taxa já alta, é cobrada a retirada do ingresso no local do show. São mais R$ 8. Se quiser o ingresso entregue em casa, paga-se mais R$ 13.

Além de todas as taxas listadas, ainda há a de uso do banheiro, a do estacionamento em vias públicas, a de reserva de salão em condomínio..