Título: Chávez não tolera a liberdade de expressão
Autor: Granier, Marcel
Fonte: O Globo, 31/01/2010, O Mundo, p. 32

Diretor da RCTV, rede que teve o sinal cortado, diz que as leis da Venezuela são feitas para satisfazer o presidente

Apesar de seguir lutando nos tribunais locais e denunciando o governo Hugo Chávez fora da Venezuela, o canal de TV a cabo RCTV, que em 23 de janeiro passado teve seu sinal suspenso por ordem da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), não descarta a possibilidade de um fechamento definitivo. Em entrevista telefônica ao GLOBO, o diretor do canal, Marcel Granier, assegurou que a autocensura é a única maneira de sobreviver na Venezuela de Chávez, e acusou o governo de estar promovendo um clima de caos social que poderia levar à suspensão das eleições legislativas previstas para este ano. ¿Este governo não aceita o pluralismo e fará o que estiver ao seu alcance para evitar uma eleição que poderia prejudicar seu projeto de poder¿, afirmou Granier

Janaína Figueiredo Correspondente ¿ BUENOS AIRES

O GLOBO: A medida adotada pelo governo era esperada pela emissora? MARCEL GRANIER: Bem, não podemos esquecer que o governo Chávez já fechou mais de 40 emissoras de rádio e canais de TV. Mas desta vez, a resolução da Conatel esteve dirigida especialmente à RCTV, e o objetivo do governo é nos tirar do mercado. Quando fecharam nosso canal de TV aberta (em 2007), começamos a melhorar nosso canal de TV a cabo, e agora querem nos eliminar totalmente do mapa. Somos um canal internacional (o governo alega que 94% da programação da RCTV é nacional e apenas 6% internacional. Já o canal assegura que 71% de seu conteúdo é internacional e 29% nacional) e, se nos declararmos um canal de produção nacional, como pretende o governo (o que obrigaria a RCTV a respeitar normas internas do país), só poderemos, por exemplo, transmitir publicidade entre um programa e outro e não mais ao longo da programação.

Essa regra põe em risco nossa sobrevivência financeira.

A medida do governo (a RCTV e outros cinco canais tiveram seus sinais suspensos porque, segundo a Conatel, desrespeitaram as novas regras para transmissão por cabo do país) é inconstitucional e seu único objetivo é acabar com a RCTV.

Como o senhor explica a perseguição à RCTV? GRANIER: Chávez não tolera a liberdade de expressão. Veja como estão sendo reprimidos os estudantes (nos últimos dias, dois jovens morreram em manifestações contra o governo).

Nosso país enfrenta atualmente uma crise energética, de segurança, econômica e de muitas coisas mais. Chávez não consulta ninguém, está cada vez mais fechado sobre seu círculo íntimo e radical.

O problema é que nosso microfone está aberto para todos, e o governo dele não suporta pluralismo.

Outros canais como a Globovisión também terminarão desaparecendo? GRANIER: Estamos vendo cada vez mais autocensura.

A autocensura é a única maneira de permanecer no ar na Venezuela? GRANIER: Esse é o resultado que estou vendo. Vejo jornalistas no exílio, com medo da perseguição do governo. Vejo como os canais estatais não abrem espaço para opiniões contrárias ao governo. E nesses meios não se fala sobre a falta de energia, de água, a inflação, a desvalorização.

A repercussão internacional, até mesmo de governos estrangeiros como o da França, não ajuda em nada? GRANIER: Não, Chávez está cada vez mais isolado. O governo diz que são opiniões vinculadas a grupos golpistas.

A intolerância é total.

A RCTV mantém algum contato com o governo? GRANIER: Veja bem, há duas semanas nos apresentamos na Conatel para entregar cinco caixas de documentos, e não fomos atendidos. O governo diz que não nos apresentamos, mas a verdade é que os funcionários públicos não nos atendem. Na Justiça, os magistrados não querem ter contato com nossos representantes.

O ódio gerado pelo governo é muito impressionante.

A reação social, sobretudo dos estudantes, continuará crescendo? GRANIER: Os protestos estão espalhados pelo país, mas a repressão é grotesca, intolerável.

Agora o governo está responsabilizando os diretores das universidades pelas manifestações estudantis. A verdade é que o povo está cansado.

Temos muitos problemas no país, e a resposta governamental é mais violência (pela terceira vez, desde que começou a entrevista, cai a ligação).

Os telefones também estão com problemas na Venezuela...

GRANIER: Não, o problema é que nossos telefones estão grampeados e, quando o governo decide, as comunicações são interrompidas.

O que deve acontecer nos próximos dias, a RCTV poderia voltar ao ar? GRANIER: Nós vemos três opções.

O governo poderia recuar em sua decisão, a Justiça poderia aceitar nosso pedido de liminar ou declarar inconstitucional essa determinação, e a terceira, a mais lógica, seria que as empresas de TV a cabo nos colocassem novamente no ar. As empresas cederam às pressões do governo, ficaram com medo e tudo foi um grande abuso de autoridade que está prejudicando, sobretudo, nossos telespectadores.

A desinformação no país hoje é muito grande.

O senhor não teme um fechamento definitivo do canal? GRANIER: Aqui tudo é possível, porque as resoluções e as leis são feitas para satisfazer os desejos do presidente.

O senhor vê alguma relação entre esta nova ofensiva contra meios de comunicação privados e as eleições legislativas deste ano? GRANIER: Claro, existe uma relação direta. O governo está desesperado, sabe que existe uma grande rejeição social e pensa que fechando meios de comunicação conseguirá melhorar sua imagem.

Temos de estar atentos, porque não podemos descartar que o governo continue promovendo um clima de caos social e acabe cancelando as eleições, que são fundamentais para que a oposição volte a estar representada na Assembleia Legislativa. Este governo não aceita o pluralismo, e fará o que estiver ao seu alcance para evitar uma eleição que possa prejudicar seu projeto de poder