Título: Para antropólogo, Albina pertence a estado paralelo
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 03/01/2010, O País, p. 9

Richard Price prevê uso do conflito nas eleições do Suriname

O antropólogo americano Richard Price, que convive há 40 anos com quilombolas do Suriname e da Guiana Francesa, disse que, desde a guerra civil de 1986 (até 1992), o governo do Suriname deixou Albina praticamente sozinha, nas mãos de Ronnie Brunswijk, um maroon ndyuka que liderou os rebeldes do chamado ¿Jungle Commando¿ no conflito com as forças federais.

Hoje, Brunswijk é um parlamentar que representa a região e a área do Suriname onde fica Albina, no leste, é uma espécie de estado paralelo.

Price teme que o ataque aos brasileiros, no dia 24, vire munição de debate político: ¿ Não há como prever as consequências de tudo isto.

Mas há uma dimensão política forte. As eleições são na próxima primavera. O governo do Suriname gostaria de minimizar os eventos de Albina. Já a oposição quer ampliá-los ¿ disse o americano.

Para antropólogo, situação favorece violência súbita Richard Price definiu Albina mais como um ponto de passagem para vários fins do que um lugar para viver, ¿tornando a violência súbita mais fácil de acontecer¿. Desde a guerra civil, segundo ele, há uma geração de homens que aprendeu a lutar com armas: ¿ Albina é uma precária cidade de fronteira, uma reserva do mercado negro (e barato) de gasolina e óleo diesel, contrabandeado para a Guiana.

Muitas pessoas dali se deslocam para dentro ou para fora das áreas auríferas.

A maioria dos 30 mil brasileiros no Suriname, segundo ele, é formada por garimpeiros que vivem e trabalham ao longo dos rios Marowijne e Maroni (fronteira com a Guiana).

O antropólogo explicou que os garimpeiros brasileiros, de um lado, são úteis para os quilombolas locais ao longo do Rio Marowijne porque eles estão bem informados sobre técnicas de mineração de ouro (que trouxeram do Brasil).

Sendo assim, alguns quilombolas, beneficiados, permitem em troca que os garimpeiros trabalhem em sua área por um percentual geralmente de 10% sobre o ouro extraído.

Mas, por outro lado, os mineiros brasileiros, por vezes, causam problemas para os quilombolas ¿ principalmente pela mineração sem autorização no seu território.

¿ Portanto, existe uma tensão.

Para os idosos, quilombolas mais tradicionais, os garimpeiros são vistos como invasores, povos que têm uma influência corruptora (sobre as mulheres, por exemplo) e que não deveriam estar lá ¿ contou o antropólogo.

Além do domínio da técnica, Price explicou que os garimpeiros brasileiros eram tolerados na medida em que ajudavam os jovens ¿maroon¿ a ganhar algum dinheiro.