Título: Prostituição financia garimpos no Suriname
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 03/01/2010, O País, p. 9

Geógrafa diz que brasileiros provocaram a ira dos quilombolas por dominar técnicas de exploração do ouro

Redes de prostituição, formadas por cafetões e mulheres brasileiras, ajudam a financiar os garimpos artesanais do Suriname, emprestando dinheiro para a compra de equipamentos como dragas e bombas de pressão. Esta é um das constatações da geógrafa Maria Célia Nunes Coelho, da UFRJ, após dez anos de pesquisas sobre o tema em Belém.

Ela afirmou que, por terem acesso ao capital e à tecnologia, os garimpeiros brasileiros despertaram a ira dos quilombolas locais.

¿ É uma luta pelo poder. Os quilombolas, muito pobres, não dispõem das mesmas fontes de recursos dos brasileiros e ficam em desvantagem. Como os brasileiros têm o capital, dominam a atividade ¿ explicou a geógrafa.

Este capital, segundo ela, procede principalmente de cafetões do Pará e também irriga uma rede de tráfico de mulheres para a prostituição na Europa, particularmente a Holanda (país que colonizou o Suriname).

Para chegar ao país vizinho, mulheres do Pará e Maranhão precisam se endividar com estes cafetões: ¿ Uma vez no Suriname, elas só podem embarcar para a Europa depois de zerar os débitos. Para se capitalizar, muitas vezes elas próprias (as prostitutas), emprestam dinheiros para financiar os garimpeiros ¿ explicou.

Albina, cidade do Suriname onde ocorreu o ataque de quilombolas a brasileiros no dia 24, está no centro do fenômeno.

Com a crise do ouro no Pará e Amapá no anos 1990, garimpeiros brasileiros atravessaram as fronteiras dos países vizinhos (incluindo Venezuela e Guiana) até chegar quase ao litoral do Suriname.

Com os garimpeiros, seguiram as prostitutas, financiadas pelos cafetões paraenses.

Maria Célia disse que o Suriname é porta de entrada destas mulheres na Holanda, assim como a Guiana Francesa, país vizinho, serve de atalho para brasileiros rumo à França.

Garimpeiros são veteranos de Serra Pelada Maria Célia acredita que os garimpeiros atacados no Suriname são veteranos de Serra Pelada (garimpo extinto no Pará), na faixa de 40 e 50 anos, e seus filhos, que cruzaram a fronteira em busca de lugares onde ainda é possível a exploração do ouro de forma artesanal ¿ ouro encontrado no barranco das margens dos rios.

¿ O crescimento de Serra Pelada e Itaituba (PA), nos anos 1980, forjou uma geração de garimpeiros. Mas tudo acabou.

Hoje, só ficaram as grandes empresas.

O ouro que ainda existe, explicou a geógrafa, mas já não é explorado de forma artesanal ¿ a presença de ouro em camadas mais profundas exige investimento em tecnologia.

No Suriname, os garimpeiros encontraram os quilombolas, chamados de ¿negros do mato¿, que respondem por 10% da população local.

Os quilombolas, chamados de ¿maroons¿, formam seis comunidades no Suriname, entre eles os Ndyuka, responsáveis pela agressão aos brasileiros em Albina. Seus antepassados, escravizados para trabalhar nas culturas de açúcar, café e algodão, fugiram para a floresta no século XVII e formaram sólidos aldeamentos, cuja autonomia foi reconhecida pelo governo colonial: ¿ Hoje, os quilombolas viraram rivais dos brasileiros porque também querem se beneficiar do ouro.