Título: Para Jobim, falar em desaparecidos é eufemismo
Autor:
Fonte: O Globo, 16/01/2010, O Mundo, p. 29

Ministro descarta possibilidade de sobreviventes, mas parentes dizem ter fé em que militares serão achados com vida

Natanael Damasceno, Christine Lages e Bernardo Mello Franco

RIO e BRASÍLIA. Enquanto equipes de resgate ainda trabalhavam na busca por pessoas vivas sob os escombros no Haiti, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou ontem de madrugada, ao chegar à Base Aérea de Brasília, que é um eufemismo falar em sobreviventes da tragédia. Ao longo do dia, emissoras exibiram depoimentos de parentes de vítimas que ainda esperam encontrá-las com vida.

- Vamos ver como continuam as buscas, as localizações, mas, evidentemente a palavra desaparecidos aqui funciona como um eufemismo - disse o ministro.

Jobim afirmou ainda que não espera encontrar os quatro militares desaparecidos com vida e, assim, disse que o número de militares brasileiros mortos subiu de 14 para 18. À tarde, após vistoriar obras de expansão do Aeroporto Tom Jobim, no Rio, ele reafirmou que não espera que os militares estejam vivos.

- A expressão desaparecido é técnica. Significa corpo não encontrado. Só denominamos óbitos quando encontramos o corpo. Mas estão soterrados.

Além dos 18 militares e de Zilda Arns, ele incluiu entre a lista de brasileiros mortos o representante especial adjunto das Nações Unidas no Haiti, Luiz Carlos da Costa, o mais alto funcionário civil da ONU de nacionalidade brasileira no país, que está desaparecido.

"Pai, aguenta firme. Aguenta"

Apesar das declarações do ministro, ontem a família do coronel João Eliseu Souza Zanin se apegava às preces para receber o militar vivo em Brasília. Zanin é um dos quatro brasileiros desaparecidos. No Orkut, os filhos do coronel expressam a sua fé: "Pai, aguenta firme. Eu sei que você vai sobreviver", diz o perfil de um dos adolescentes. Já a filha conta com o resgate possivelmente feito pelos colegas de Zanin: "Pai, aguenta firme! Eles tão indo te buscar!! Seu anjinho tá com você!!! Aguenta!!!".

O coronel, que estava nas instalações da ONU que desabaram, chegara a Porto Príncipe 24 horas antes do tremor.

- Eu falei com ele duas horas antes de terremoto. Ele falou que estava indo a esta reunião, no prédio da ONU - disse Cely Zanin, mulher do militar.

Abalada, Cely divulgou nota: "Peço a todos os irmão brasileiros que orem por meu marido, Cel. João Eliseu Souza Zanin, e pelos outros oficiais que se encontravam com ele no momento desta tragédia. (...) A dor é grande, a angustia sem fim, mas ainda tenho fé em que eles serão encontrados com vida e que voltarão para nossas famílias."

Cely disse que só depois comentará a declaração de Jobim.

- Ouvi, sim, mas prefiro não comentar. Só depois.

O Exército também passou o dia se negando a confirmar a morte dos quatro oficiais. Segundo o subtenente Willians, da Comunicação Social, a Força "se apegará até o último fio à esperança de encontrá-los vivos".

Esta não foi a primeira vez em que Jobim deu declarações polêmicas em meio a tragédias envolvendo brasileiros. Em junho de 2009, ele foi criticado duramente após sugerir que os corpos de vítimas da queda do avião da Air France no Atlântico poderiam ser devorados por tubarões. Em entrevista, disse que a busca não seria por corpos, e sim por restos mortais.

- O que estamos tentando é a busca de sobreviventes. Ou melhor, de restos. É muito difícil encontrar corpos que afundam no mar - disse o ministro, que chegou a lembrar o caso do ex-deputado Ulysses Guimarães, vítima de acidente de helicóptero, cujo corpo nunca foi achado.