Título: Adoções só em último caso, diz Unicef
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 20/01/2010, O Mundo, p. 30

Agência da ONU diz que prioridade deve ser encontrar parentes dos órfãos criados pelo terremoto

O anúncio feito ontem pelo Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos de que órfãos haitianos já poderiam ser levados àquele país, para receber algum tipo de cuidado, deflagrou uma escalada de várias agências que cuidam de adoção de crianças no sentido de aproveitar essa permissão para realizar as suas transações. Diante de tal alvoroço, a secretária de Segurança Interna, Janet Napolitano, apressou-se a esclarecer que ¿ em princípio ¿ a permanência daquelas crianças seria temporária. A residência definitiva dependeria da finalização de um processo burocrático que já havia sido iniciado no Haiti.

¿ Nós estamos comprometidos a fazer de tudo para ajudar a reunificar famílias no Haiti durante esse período difícil. O objetivo da iniciativa é autorizar a entrada nos EUA de órfãos elegíveis para adoção ¿ disse ela, esclarecendo que a porta estaria aberta para cerca de 900 crianças cujo processo de adoção já estava quase completo quando aconteceu o terremoto.

Dezenas já chegaram ao território americano. Holanda, França e Canadá também tomavam medidas ontem para transportar órfãos que já estavam aptos a serem adotados.

O corre-corre das agências e a avalanche de pedidos de adoção nos últimos dias ¿ feitos inclusive por cerca de 300 casais do Brasil ¿ fez com que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) emitisse um comunicado dizendo que a adoção de crianças abandonadas durante a tragédia (em especial por pessoas que as levariam a outros países) só deveria ser efetivada em último caso.

¿ A posição do Unicef sempre foi favorecer, em primeiro lugar, a reunificação da família.

Se os pais estão mortos ou desaparecidos, devem ser feitos esforços para reunir a criança com os seus avós ou outros parentes.

Antes do terremoto havia 380 mil órfãos no Haiti, onde 48% da população tinham menos de 18 anos. O Unicef teme que o tremor possa ter aumentado aquele número para até um milhão.

Brasil não deve incentivar adoção

O súbito interesse de brasileiros em adotar haitianos congestionou ontem os telefones da organização Viva Rio: ¿ Isso aqui virou um pandemônio, e infelizmente não podíamos ajudar porque não trabalhamos com adoção ¿ disse Mônica Cavalcanti, assessora da ONG carioca.

No entanto, tamanho interesse fez com que o seu diretor executivo, Rubem César Fernandes, que está em Porto Príncipe, iniciasse contatos no Haiti para que o Viva Rio eventualmente venha a participar desse processo.

O embaixador do Brasil no Haiti, Igor Kipman, disse que vai consultar Brasília para ver de que forma a adoção por famílias brasileiras possa vir a ocorrer, mas já adiantou que não deverá haver qualquer incentivo oficial a essa medida.

De acordo com o Alto Comissariado para Refugiados da ONU, a adoção internacional não deve ocorrer em situações de instabilidade como guerras e desastres naturais, porque em tais circunstâncias não é possível verificar o histórico pessoal e familiar dos menores. A ONU também estabelece que o deslocamento de crianças para outros países, ou a sua colocação temporária sob os cuidados de famílias substitutas ¿devem ser evitados por serem considerados traumáticos. Uma ruptura adicional à já sofrida pode aumentar o forte impacto psicológico vivenciado pela criança¿.

COLABOROU: Chico de Gois, de Porto Príncipe.