Título: À espera da condenação
Autor: D'Elia, Mirella
Fonte: Correio Braziliense, 06/06/2009, Política, p. 2

Ex-caseiro diz que preferia um pedido de desculpas a ver Palocci processado: ¿Mas não vai acontecer¿

Pivô da saída de Antonio Palocci de um dos cargos mais poderosos do governo Lula, o caseiro Francenildo dos Santos Costa aparenta hoje a mesma simplicidade de dois anos atrás, quando ficou no olho do furacão e ganhou notoriedade após ter o sigilo bancário quebrado. E a mesma resistência para dar entrevistas. Foi preciso a intervenção do advogado Ulício Nascimento, que o acompanha desde 2006, para que ele vencesse a resistência e aceitasse falar ao Correio tanto tempo após o escândalo.

Com os rumores de que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o futuro político do ex-ministro da Fazenda estaria próxima, Francenildo surpreende. Diz que preferia um pedido de desculpas a ver Palocci processado pela Justiça. ¿Já pensei nisso, mas não vai acontecer mesmo. Eu me conformaria se ele botasse a cabeça no travesseiro e pensasse¿, afirma.

Aos 27 anos, ele não trabalha mais como caseiro. Conta que está difícil conseguir emprego com carteira assinada. Para ganhar a vida, faz bicos como jardineiro e pedreiro. Até hoje é reconhecido na rua ¿ o que, reclama, às vezes, faz com que portas se fechem. ¿Tem uns que me chamam de Palocci¿, diz. Francenildo garante: não se arrepende do que falou. Nem tem medo. ¿Se tivesse arrependimento, não teria entrado. Eu sabia que o barco era grande e fundo.¿ Mas, ao olhar para trás, conta que teria ficado calado se soubesse que teria a privacidade invadida. Hoje, o ex-caseiro só pensa em estudar para garantir um futuro melhor na pequena cidade de Nazária, a 30km da capital piauiense, para onde planeja voltar. ¿Aqui, já deu o que tinha que dar¿, relata.

Ex-caseiro, Francenildo afirma que está difícil conseguir emprego e sonha em voltar para a pequena cidade de Nazária, a 30km da capital do Piauí

O que você espera do julgamento? Eu espero que ele (o ex-ministro Palocci) seja considerado culpado. A própria polícia disse que ele foi o mandante. A única coisa que eu espero da Justiça é que não tenha diferença entre nós. Sempre ouvi falar que a Justiça só trabalha para o lado mais forte. Agora, vou ter que passar por isso.

Preferia um pedido de desculpas à condenação? Já pensei nisso, mas não vai acontecer mesmo. Eu me conformaria se ele botasse a cabeça no travesseiro e pensasse. O que eu falei contra ele não foi obrigado, não foi pago. Eu queria falar o que eu sabia, sabia que não iam me deixar sossegado. Fui lá (na CPI dos Bingos), falei a verdade e pronto.

Se ele for inocentado, como você vai se sentir? Se o que ele (Palocci) fez não foi crime, então todo mundo hoje em dia vai poder fazer o que ele fez. Vai ser um mau exemplo para os ministros, para os políticos.

Você se arrepende de alguma coisa? Faria alguma coisa diferente? O arrependimento maior seria se eu tivesse mentido. Se tivesse arrependimento, não teria entrado. Eu sabia que o barco era grande e fundo.

Sua vida está melhor ou pior? Em termos de trabalho, está crítico, está pior. Por outro lado, encararia outra daquela. No ano passado, encarei coisas mais duras, como o falecimento do meu irmão, mas dá para levar. O chato mesmo são as portas de trabalho, que estão mais fechadas.

Por que você voltou a estudar? Em termos de trabalho, já não era bom. Depois desse acontecimento aí (a quebra do sigilo bancário), ficou pior. Se a pessoa não tiver um ¿estudozinho¿ mais adequado não dá para encarar. Hoje qualquer ¿servicinho¿ mais básico você tem que ter o segundo grau completo.

As pessoas ainda reconhecem você? No começo, foi duro. Diziam: ¿Olha lá o caseiro que derrubou o Palocci¿. Aquela conversa. Até hoje na rua tem pessoas que falam. Esta semana mesmo quando eu estava indo para o trabalho uma mulher na rua me reconheceu e cochichou.

Dá vergonha? Vergonha eu não sinto. Tem uns que me chamam de Palocci. Isso é chato, mas tem algumas pessoas que dão parabéns. Eu já sabia como ia ser mesmo. Fico tranquilo, vou levando.

Você tem medo? Eu sou um cara que topo qualquer coisa. Se morrer hoje ou morrer amanhã, para mim não tem diferença. Mas se soubesse que ia chegar no ponto da quebra (de sigilo), eu não faria (o que fiz). Tinha ficado calado. O jogo deles foi mais sujo, mais baixo que o meu.

Você pensa em voltar para sua cidade? Já era para estar lá, vou ficar perto da minha mãe, dos parentes. Aqui, já deu o que tinha que dar.