Título: Chile: eleição acirrada, candidatos parecidos
Autor: Azevedo, Cristina
Fonte: O Globo, 17/01/2010, O Mundo, p. 34

Tecnicamente empatados, Eduardo Frei e Sebastián Piñera vão hoje às urnas com programas semelhantes

SANTIAGO. "No es lo mismo", diz a frase no encerramento da campanha de Eduardo Frei, candidato do governo chileno, para tentar convencer os eleitores das diferenças que o separam do candidato da direita, o empresário Sebastián Piñera. Mas não há tantas diferenças assim entre os dois programas: ambos os candidatos que vão hoje às urnas são velhos conhecidos dos chilenos e, não raro, acabam caindo em argumentos do passado.

Frei é um ex-presidente que governou de 1994 a 2000, ainda assombrado pela crise asiática que atingiu seu final de governo. Candidato da Concertação, de Michelle Bachelet, só viu a campanha decolar no fim do segundo turno. Já o empresário Piñera, da coligação da Renovação Nacional com a UDI, foi senador e está presente na vida chilena de várias formas, nos aviões da LAN que trazem estrangeiros, no popular canal Chilevisión ou no igualmente popular time de futebol Colo Colo, que lota os estádios, entre outros negócios, o que leva o adversário a acusá-lo de conflito de interesses. Frei também era empresário, e muitos no comando opositor o acusam de não ter se afastado completamente dos negócios quando foi eleito.

- Piñera promete um reimpulso no crescimento do país e mudanças em termos de gestão do Estado, mas o modelo político-social-econômico não muda - explica o analista político Libardo Buitrago. - A força do Chile é o seu modelo político-econômico. O que cada um faz é colocar ênfase em determinados setores. A Concertação tem ênfase nos programas sociais. Piñera diz que manterá esses programas, mas dará ênfase ao crescimento.

Muitos pontos em comum

É impossível não perceber semelhanças. Além de prometerem levar adiante os programas sociais de Michelle Bachelet, os dois defendem a redução da contribuição dos aposentados para a seguridade social e a extensão da licença maternidade de três para seis meses. Piñera afirma que criará um milhão de empregos; Frei, de 700 mil a 800 mil. Frei promete direitos legais para casais do mesmo sexo, Piñera também, embora seu programa não seja tão explícito.

O candidato da Concertação garante que não privatizará a Codelco, a empresa estatal exploradora de cobre (o principal produto de exportação do país). Já o representante da Coalizão pela Mudança pretende permitir que os fundos de pensões tenham acesso a 20% das ações da empresa.

Se as pesquisas se comprovarem, estas serão as eleições mais disputadas desde a redemocratização do país, há 20 anos, com uma ligeira vantagem para a direita - que assim chegaria ao poder pelo voto pela primeira vez em cinco décadas.

Abstenção deve ser grande

Mesmo assim, as campanhas não empolgaram. O desinteresse se traduz no número de eleitores. Dos 12 milhões que poderiam votar, apenas pouco mais de 8 milhões se registraram. Isso quer dizer que, quem ganhar deverá obter cerca de 4 milhões de votos, ou um terço do eleitorado. Os mais desencantados são os jovens.

- Vim pelo show - respondeu Claudia, uma estudante de geografia de 22 anos, que assistiu ao comício de Frei em Santiago na quarta-feira. - Não gosto de nenhum dos dois candidatos, não acredito nesse sistema.

Embora seja a primeira eleição após a morte do ex-ditador Augusto Pinochet, em 2006, a campanha muitas vezes se voltou para o passado, com os dois afirmando serem contrários à lei de ponto final, que encerra processos contra militares por abusos dos direitos humanos:

- Podemos ter cometido erros, mas nunca horrores - declarou Frei.

O tema direitos humanos irrompeu na campanha com a notícia que o pai de Frei, o também ex-presidente Eduardo Frei Montalva, foi envenenado pela ditadura. O assunto voltou quando Piñera afirmou que não faria parte de seu governo nenhum ex-ministro do ditador Augusto Pinochet, mas que não descarta pessoas que tenham integrado o governo da época, acrescentando que "o fato de ter trabalhado para um governo sem ter cometido delitos nem haver violado os direitos humanos não é pecado".

Agora, com uma diferença tão apertada - a última pesquisa do Instituto Mori dá 1,8 ponto percentual a favor de Piñera -, os chilenos esperam para saber quem será o futuro presidente. Se for Frei, não deve haver muitas novidades e alguns nomes do Gabinete de Bachelet podem ser mantidos. Se for Piñera, ocorrerá uma mudança, ao menos de rostos, no La Moneda.