Título: Ameaça que vem do consumo
Autor: Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 02/01/2010, Economia, p. 19
Após brasileiro pagar menos por alimentos em 2009, demanda forte pressionará inflação
Em 2009, a crise financeira global deu um freio na demanda mundial de alimentos ¿ o que, para o brasileiro, significou menos gastos com comida. Com custos menores na alimentação e medidas de incentivo em setores como automóveis e construção, a força do consumo interno protegeu a economia brasileira no ano passado. Em 2010, contudo, é justamente esse mercado interno ¿ favorecido também por maior renda e avanços no mercado de trabalho ¿ a ameaça à inflação. Com mais gente indo às compras, até devido à prorrogação de medidas de redução de alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), existe uma real pressão nos preços, dizem economistas.
Ainda assim, eles preveem que a variação de preços, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), feche em torno de 4,5% este ano, no centro da meta fixada pelo governo.
Também por isso os analistas esperam alta dos juros em meados de 2010.
¿ As medidas de estímulos fiscais e tributários foram exageradas, num momento em que a economia já estava aquecida. Essas medidas têm de ser retiradas. Excessos de estímulos do governo podem acelerar ainda mais a demanda, pressionando a inflação ¿ analisou o economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles, que espera uma inflação de 4,5% para 2010.
Para Christian Travassos, economista da FecomércioRJ, o dólar deve se manter no atual patamar mais baixo, o que beneficiará o consumidor com preços menores de alimentos.
Porém, renda e crédito podem pressionar a inflação ¿ como a de serviços.
¿ Não é apenas o dólar que ajuda a manter os preços dos alimentos. A capacidade produtiva brasileira aumenta, com avanços tecnológicos e expansão da fronteira agrícola. Por outro lado, a demanda deve exercer pressão nos preços, já que a massa salarial segue crescendo ¿ disse Travassos, lembrando que 2010 é ano eleitoral.
¿ E isso nem sempre significa gastos eficientes, o que também pressiona a demanda.
Em 2009, crise afastou risco inflacionário
Em 2009, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), do IBGE, ficou em 4,18%, bem abaixo dos 6,10 % de 2008. Já o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), da Fundação Getulio Vargas, apresentou deflação, de 1,72%. O índice, importante indexador do aluguel, indica tendência para a inflação nos próximos meses, já que o atacado tem maior peso na composição. Já, no Rio, a Fecomércio-RJ apurou preços 0,57% menores numa cesta com cerca de 30 itens, quando comparada com os valores de dezembro do ano anterior. Em 2008, esses mesmos alimentos subiram 17,3%.
¿ Os alimentos não foram o vilão de 2009.
Houve, sim, repiques em artigos como leite.
Nada que se compare a 2008 ¿ disse Christian Travassos, economista da Fecomércio-RJ.
Os alimentos com maior peso no orçamento das famílias ¿ o arroz e o feijão ¿ registraram em 2009 quedas significativas, de 14,55% e 46,89%, respectivamente, segundo a FecomércioRJ. Já as carnes, de acordo com o levantamento, ficaram 7,45% mais baratas. E o frango chegou ao fim do ano com preços 1,17% menores.
¿ Os alimentos essenciais fecharam no negativo, dando alívio ao orçamento das famílias, em especial as mais pobres. Mesmo o leite, que custou mais de R$ 3, baixou para menos de R$ 2 e voltou ao patamar de antes da entressafra ¿ disse André Braz, economista da FGV.
Já o açúcar é um capítulo à parte: fechou 2009 com alta de 52,66%. O preço médio do pacote de um quilo, segundo a Fecomércio-RJ, saiu de R$ 1,31 para R$ 2. Houve quebra de safra de cana-deaçúcar na Índia, segundo maior produtor e um dos grandes consumidores mundiais de açúcar, que passou de exportador a importador, reduzindo sua oferta no mercado internacional.
¿ O açúcar, principal energético da baixa renda, encerra o ano com alta ¿ disse Braz.
Na lista de compras dos supermercados, foram os legumes, as verduras e as frutas que apresentaram as maiores variações nos preços de um ano para o outro. O excesso de chuva prejudicou as plantações, afetando a oferta. Com menos itens disponíveis, o preço sobe. Segundo a FecomércioRJ, a batata ficou 112,80% mais cara ano passado.
A cebola subiu 101,53%. E a cenoura, 45,64%.
¿ Diferentemente do que se viu em 2008, os preços da batata e da cebola mais que dobraram no ano passado. As chuvas foram concentradas em regiões de grande produção ¿ explicou Travassos.
¿ Esse segmento da alimentação permite, entretanto, substituições. Se a batata sobe, comprase o aipim. O consumidor consegue suavizar as altas e se defender. Basta, para isso, fazer as trocas ¿ acrescentou Braz.
A consumidora Marilda Navarro reconhece que os supermercados estão com ofertas de produtos. Mas notou que seus gastos aumentaram no supermercado: em seis meses, os gastos subiram de R$ 1.200 para R$ 2.000 por mês.
¿ Não deixo de consumir. Alimentos são itens essenciais. Então, deixo de ir a restaurantes, adio a compra de roupas novas ou bebo menos vinho ¿ disse ela.
Na opinião de José de Sousa, presidente da Bolsa de Gêneros Alimentícios do Rio, as famílias se favoreceram com alimentos mais baratos e maior renda em 2009.
¿ O salário mínimo subiu mais do que o preço dos alimentos. E o Bolsa Família deu maior poder de compra aos mais pobres. Foi um bom ano para os alimentos.