Título: Tragédia, agora, no paraíso
Autor: Araújo, Isabel de; Amaral, Melina
Fonte: O Globo, 02/01/2010, Rio, p. 8

Deslizamentos em Angra matam 30, elevando o número de mortes no estado para 51 em 48h

Isabel de Araújo, Melina Amaral e Elenilce Bottari

LUTO NO RÉVEILLON

Pelo menos 30 pessoas morreram ontem em razão de deslizamentos de terra em Angra dos Reis, elevando para 51 o número de mortes no estado em consequência das chuvas que castigam o Rio desde a noite de quartafeira.

A queda de uma barreira na madrugada soterrou parte da Pousada Sankay e mais cinco casas na Enseada do Bananal, na Ilha Grande, matando, pelo menos, 19 pessoas. A estimativa é de que o número de mortos na Ilha chegue a 50. Também houve deslizamento de terra no Morro da Carioca, no Centro de Angra, que soterrou seis casas e matou, pelo menos, 11 pessoas. Foram atendidos no hospital da cidade 59 feridos.

Oito deles, em estado grave, tiveram de ser operados.

O prefeito de Angra, Tuca Jordão, decretou estado de calamidade pública no município e luto oficial de três dias. A tradicional procissão marítima do primeiro dia do ano foi cancelada por causa da tragédia. Os serviços de luz, água e telefonia entraram em colapso. Foram contabilizados 30 grandes deslizamentos e registradas 200 ocorrências. Até a tarde de ontem, 800 pessoas estavam desalojadas e 30 casas teriam sido completamente destruídas. Outras cem casas foram interditadas. Em Perequê, na divisa com Paraty, houve uma inundação que deixou 634 moradores desalojados.

Mãe viu família ser engolida pela lama

O deslizamento da encosta no Morro da Carioca ocorreu às 2h15m. Segundo o comandante do Corpo de Bombeiros de Angra, Jerri Andrade, seis casas foram soterradas e 11 corpos de vítimas retirados do local. De acordo com moradores, naquela área poderia haver ainda 17 pessoas sob os escombros. Até o final da tarde, havia 84 desalojados, sendo 50 adultos e 34 crianças.

A zeladora Vanessa da Conceição, de 27 anos, perdeu cinco parentes, entre eles o filho de dois anos. Ela morava com a avó e o filho: ¿ Eu estava deitada com meu filho e minha avó na cama ao lado, quando começamos a ouvir uma movimentação estranha do lado de fora. Minha avó pulou com o susto.

Eu fui até a escadaria ver o que estava acontecendo, quando o barranco desceu, levando minha casa e a casa dos meus tios embora ¿ contou Vanessa, que ainda tentou salvar a família. ¿ Eu comecei a procurar por eles desesperadamente, mas um poste caiu e ficou tudo escuro.

Foi quando eu ouvi um novo barulho e mais um deslizamento.

Desde os primeiros momentos, moradores de outros pontos vieram em socorro às vítimas. Foi o caso do gráfico Guilherme Canthé. Coberto de lama, ele estava no local há pelo menos 15 horas: ¿ Eu moro do outro lado do morro e, por volta de 1h30m, ouvi os primeiros estrondos. Corri para ajudar as pessoas. A cem metros do local onde eu estava, as casas caíram.

Junto com outros voluntários, conseguimos resgatar um menino de 7 anos e mais dois adultos. Às 2h30m, veio mais uma avalanche e carregou alguns dos voluntários.

Já na paradisíaca Enseada do Bananal, os estrondos começaram às 2h30m, anunciando a tragédia. Toneladas de pedra e lama desceram atingindo parte da Pousada Sankay e mais as casas no entorno. Segundo a turista paulista Fernanda de Oliveira, alguns sobreviventes foram lançados ao mar: ¿ Nós viemos comemorar o ano novo aqui e aconteceu toda esta tristeza.

Acordamos às 2h30m com estrondos fortes, mas não conseguíamos ver o que estava acontecendo.

Estava muito escuro. Chovia forte e a água chegou a invadir nossa pousada.

De repente, vimos pessoas no mar e fomos resgatá-las. Eram alguns hóspedes da pousada.

Os sobreviventes foram levados para a Pousada do Preto, que fica próxima. Entre eles, estavam os proprietários da Sankay Sônia Faraci Imanishi e Geraldo Faraci. Inconformados, eles buscavam a filha Iumi, de 18 anos, levada pela avalanche.

¿ Nós não vamos sair daqui. Ainda temos a esperança de encontrála ¿ afirmou Sônia a um outro sobrevivente, pouco antes da confirmação da morte da jovem.

Das 65 pessoas que estavam na pousada no momento da tragédia, 62 conseguiram escapar. Além de Iumi, morreu um casal de estudantes que era amigo dela. Até ontem, tinham sido resgatados 19 corpos no Bananal, a maioria de veranistas. A maior parte das vítimas estava nas casas no entorno da pousada. Segundo as primeiras informações, dois grupos de turistas, um de Ilhéus, na Bahia, e outro de São Paulo, estariam entre as vítimas.

Jorge Aloy da Cruz contou que é morador do local e chegou a tentar salvar as vítimas: ¿ Corremos para ajudar, mas só conseguimos pegar duas ou três pessoas. Outras foram arrastadas. A força da água era muito grande.

Tião Arlindo Pereira, de 62 anos, contou que perdeu nove pessoas: ¿ Eu estava na casa do meu irmão e saí para ir a uma festinha.

Quando voltei, só encontrei meu cunhado vivo ¿ contou Tião.

Vando Pereira disse que, pela manhã, ligaram para sua casa e avisaram sobre o desabamento: ¿ Quando cheguei aqui, vi que não tinha mais jeito. Perdi três primos, um tio e alguns amigos. É uma sensação desesperadora.

Chorando muito, Luíza Pedroso contou que perdeu a filha, Odeli Pedroso, e o neto, Wellington: ¿ A casa deles ficou sob a lama.

Moradores da Ilha Grande disseram que o morro na enseada estava sendo invadido e uma casa, construída na encosta, informação não confirmada pelas autoridades. Além disso, a pousada teria instalado na colina cerca de dez caixas d¿água de 10 mil litros.