Título: Governo se arma contra inflação
Autor: Beck, Martha; Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 21/01/2010, Economia, p. 15

Para conter pressão de demanda, plano é reduzir tributos, como IPI, e zerar alíquota de mais importados

Apesar do discurso otimista, o governo está se armando para neutralizar pressões inflacionárias que possam comprometer o desempenho da economia em 2010. Serão usadas, por exemplo, ferramentas tributárias para equilibrar o efeito da demanda aquecida.

Para conter aumentos de preços, o governo tem na manga, a partir de simulações, a possibilidade de mexer nas alíquotas de tributos regulatórios, como a Contribuição de Intervenção sobre Domínio Econômico (Cide) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

A ampliação da lista de itens que podem ser importados com alíquota zero também está no radar. A manutenção das alíquotas reduzidas de IPI nos produtos beneficiados por desoneração na esteira da crise ¿ como linha branca, carros e móveis ¿ é outra alternativa.

Pelas contas da Fazenda, a economia tem condições de crescer 5,2% este ano dentro de um cenário em que a inflação fique no centro da meta, que é de 4,5%. Ainda assim, a ordem dentro do Ministério da Fazenda é agir a todo custo para não dar ao Banco Central (BC) motivos para elevar as taxas de juros e, com isso, puxar o freio de mão do crescimento este ano.

A preocupação do governo é que as expectativas de um aumento muito elevado no Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) ¿ alguns economistas falam até em mais de 6% ¿ sejam vistas como uma expansão não sustentada, ou seja, que gera inflação.

Esse foi um dos temas da reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e com o presidente do BC, Henrique Meirelles. Desde segundafeira, quando voltou de férias, Mantega tem apresentado ao presidente as estimativas da equipe econômica para o crescimento em 2010, ressaltando que a Fazenda não vê risco de pressão inflacionária para o ano.

A primeira ação de guerra contra a inflação deve ser a redução da alíquota da Cide incidente sobre a gasolina.

Como o percentual de álcool anidro que é adicionado ao combustível cairá de 25% para 20% em fevereiro, a gasolina tende a ficar mais cara e, com isso, pressionar a inflação.

Os técnicos já estão fazendo simulações sobre quanto o tributo deve cair para anular esse efeito.

Os técnicos estimam que a inflação subirá no primeiro trimestre de 2010. Os cálculos preliminares mostram que o IPCA ficará acima do 1,06% registrado no último trimestre de 2009. Isso ocorrerá sobretudo devido a fatores sazonais como reajustes de tarifas públicas, matrículas escolares e alguns alimentos, como carnes e hortaliças. O aumento das passagens de ônibus em São Paulo, por exemplo, terá impacto de 0,2% no IPCA deste ano. Mas esses fatores são vistos como pontuais.

A projeção do BC para o crescimento de 2010 é mais otimista que a da Fazenda: 5,8%. Já o mercado em geral vê uma alta de 5,3%. A consultoria LCA, por sua vez, espera uma expansão de 6,1%. Nesse cenário, o mercado espera que o BC faça exatamente o que a Fazenda quer evitar: eleve os juros. Para os economistas, a Selic, hoje em 8,75%, deve fechar 2010 em 11,19%; já o IPCA encerrará o ano acima do centro da meta, em 4,63%.

A área econômica, porém, argumenta que, embora a demanda interna esteja aquecida, ela está em linha com um crescimento sustentável. Para 2010, o governo trabalha com um aumento da demanda em torno de 7%. Já a LCA vê uma alta de 8,1%. No entanto, mesmo em anos em que a economia cresceu com vigor, a demanda não chegou a 8%. Em 2007, por exemplo, o PIB cresceu 6,1% e a demanda interna, 7,5%. Já em 2006, a economia avançou 4% e a demanda, 5,3%.

Meirelles: `Nosso foco é evitar bolhas¿

O cenário para o mercado de câmbio também foi apresentado ao presidente na reunião de ontem. Para a equipe econômica, a cotação do dólar deve ficar estável este ano. A moeda americana fechou 2009 em R$ 1,74 e, segundo o mercado, terminará o ano em R$ 1,76. Lula tem cobrado da área econômica medidas que ajudem os exportadores, prejudicados pela forte valorização do real ante o dólar em 2009. Entre as medidas já foram adotadas está a simplificação do regime de draw back.

Por este, as empresas compram insumos sem incidência de imposto quando sua produção é voltada para exportação. Como antecipou o GLOBO, esse regime passou a ser integrado e vale tanto para a importação quanto para a compra de materiais no mercado interno.

Ontem, em teleconferência com jornalistas estrangeiros, o presidente do BC disse que a economia brasileira tem ¿a melhor situação macroeconômica de todos os tempos¿ e afirmou que a produção industrial ainda tem potencial para crescer sem pressionar a utilização da capacidade instalada do setor. Ou seja: sem riscos à inflação.

Para o PIB, Meirelles prevê um crescimento de pelo menos 5% este ano: ¿ Após algumas décadas de baixo crescimento e vulnerabilidades macroeconômicas, a economia brasileira tem a melhor situação macroeconômica de todos os tempos.

Indagado sobre a preocupação do BC com a valorização do real ante o dólar, Meirelles disse que não há meta para câmbio, e sim para inflação.

¿ O nosso foco é evitar a formação de bolhas ou distorções nos preços do mercado pelo excesso ou pela falta de liquidez ¿ explicou, lembrando que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem tomado medidas fiscais, como a tributação de investimentos estrangeiros, para evitar estas ocorrências.

Meirelles também rechaçou as críticas de que o crescimento estimado de 5,8% do PIB para este ano poderia trazer inflação, levando o BC a aumentar os juros. Mesmo assim, destacou que ¿estamos sempre atentos e preparados para tomar medidas quando e se necessárias.