Título: Novo tremor assusta o Haiti e prejudica ação de resgate
Autor: Scofield Jr., Gilberto; Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 21/01/2010, O Mundo, p. 21

Com 5,9 graus, terremoto atingiu região já devastada pela catástrofe da semana passada, reduzindo chance de se acharem vítimas com vida

e Chico de Gois Enviados especiais ¿ PORTO PRÍNCIPE

Um novo terremoto de 5,9 graus na escala Richter e com epicentro a 59 quilômetros a sudoeste do centro de Porto Príncipe ¿ na região da cidade de Petit Goave ¿ voltou a assustar ontem os haitianos e os integrantes das equipes estrangeiras que trabalham nas missões de resgate na capital.

Apesar de ter deixado nervosos os moradores de Porto Príncipe, onde derrubou casas já abaladas estruturalmente, o tremor foi sentido em especial no interior, em pequenas cidades como Grand Goave e Léogane, esta última a que teve mais construções afetadas pelo devastador sismo da semana passada, de 7 graus, que matou cerca de 200 mil pessoas.

Segundo o governo haitiano, cerca de 90% das casas de Léogane, a 15km de Porto Príncipe, ruíram ou estão com suas estruturas abaladas, criando uma imensa massa de desabrigados. De acordo com o tenente-coronel Ricardo Alvarenga, que chefia uma equipe do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, novos terremotos como o ocorrido ontem às 6h03m (9h03m em Brasília) atrapalham as operações de resgate, já que fazem ceder as estruturas nos escombros, reduzindo a possibilidade de resgate de vítimas com vida: ¿ Se uma pessoa ficou presa num local com ventilação, um segundo terremoto ou até pequenos tremores secundários podem fazer a estrutura ceder, esmagando-a.

Abalo rachou estradas

Moradores de Porto Príncipe e das pequenas cidades na região do novo terremoto se disseram muito nervosos ontem, ainda que a maioria da população esteja hoje morando em tendas armadas nas ruas e praças da capital ou à margem de estradas e campos no interior. Esse fato, inclusive, segundo especialistas em sismos, faz com que desabamentos consequentes de tremores secundários não tenham o mesmo impacto letal do primeiro fenômeno, quando as vítimas são pegas de surpresa dentro de casa ou no trabalho. O tremor de ontem ¿ o mais intenso das 49 réplicas do terremoto da semana passada ¿ durou cerca de cinco segundos.

Na capital, houve uma corrida aos postos de gasolina, com muitos temendo que o novo terremoto interrompesse o fornecimento já precário de combustível à população.

A equipe do GLOBO foi até Petit Goave e encontrou um rastro de estragos dos tremores na estrada que liga Porto Príncipe à região. O asfalto está rasgado e dezenas de deslizamentos de terra criam vários trechos de mão única, afetando o tráfego de veículos, especialmente o de caminhões da ONU que fazem o atendimento às vítimas no interior. Num trecho entre Léogane e Grand Goave, a cerca de 50km da capital, moradores dizem que a imensa rachadura no meio da pista surgiu durante o primeiro tremor, mas aumentou ontem.

¿ O terremoto de hoje acabou com as casas que já estavam com rachaduras nas estruturas ¿ conta Delui Loverski, morador de Léogane.

Enquanto Loverski mostrava os escombros do hotel Plaza Victoria, que ruiu ontem, mais um novo pequeno tremor deixou todos apreensivos. Ao longo da estrada, pessoas que iam a pé em direção à República Dominicana correram para espaços abertos.

Em Grand Goave, o morador Narcisse Luckenson afirmou que o novo terremoto destruiu ainda mais casas e disse que há notícias de mortos: ¿ A sorte é que as pessoas estão nas ruas, em barracos improvisados com lençóis, mas todo mundo está tão nervoso que qualquer tremor nos faz correr. O governo está dando ajuda à população na capital, mas nós, moradores do interior, fomos esquecidos.

O terremoto da semana passada deixou Edline Julmé, de 26 anos, só com a roupa do corpo. Sem ter onde morar, foi viver com a filha de 6 anos na casa da mãe, na capital. Ontem, quando a terra voltou a chacoalhar no Haiti, Edline pensou que estivesse num pesadelo: pegou a filha e a mãe e saiu para a rua, meio cambaleante.

¿ Pensei que a casa fosse cair novamente ¿ desabafou.

Na praça em frente ao Palácio Nacional, que ruiu em parte semana passada, Jetta Bijou e sua mãe, Mariana Melisee, permaneciam deitadas sob uma tenda improvisada, conversando desanimadas. Elas perderam sua casa e agora dividem com seis pessoas um espaço ínfimo, onde os cheiros de urina, fezes e lixo se misturam.

¿ As pessoas saíram correndo quando o novo tremor começou. A sorte é que durou pouco ¿ disse.

Mais calma estava Talma Fissynée.

Ela ainda estava sonolenta quando o tremor a acordou. Como já havia perdido sua casa, desta vez Talma não se apavorou. Continuou deitada: ¿ Não achei que era igual, por isso não saí correndo.