Título: A Justiça aperta o cerco
Autor: Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 21/01/2010, O País, p. 3
Deputados envolvidos no mensalão do DEM são afastados do processo de impeachment de Arruda
BRASÍLIA
O juiz Vinicius Santos Silva, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, proibiu ontem os oito deputados distritais e dois suplentes que aparecem em vídeos recebendo pacotes de dinheiro ¿ ou são citados no inquérito que investiga o suposto esquema de pagamento de propinas no governo do DF ¿ de votar ou participar de qualquer atividade na Câmara Legislativa vinculada ao processo de impeachment do governador José Roberto Arruda (ex-DEM). O juiz determinou ainda a convocação de distritais suplentes para substituir os titulares exclusivamente no que diz respeito ao impeachment.
O juiz avisou que são nulos os atos da Câmara referentes ao chamado mensalão do DEM que tenham tido a participação desses dez deputados distritais.
Na decisão, o juiz cita a reunião da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Legislativa realizada em 11 de janeiro. A deputada Eurides Brito (PMDB), foi indicada como integrante da CCJ e votou requerimentos. Para o juiz, ¿houve vício¿ ao indicar para a vaga alguém que tem interesse no julgamento, e isso anula os atos.
O juiz determinou que o novo presidente da Câmara, deputado Cabo Patrício (PT) ¿ que assumiu a vaga interinamente a partir do afastamento de Leonardo Prudente (ex-DEM), o deputado do dinheiro nas meias ¿convoque os suplentes que não estejam sob suspeição para atuar nas comissões relacionadas ao processo de impeachment de Arruda. Estipulou multa diária de R$ 500 mil pelo não cumprimento da ordem, a contar do quinto dia após a intimação.
¿ A decisão é correta e significa uma grande vitória para a oposição e para a sociedade de Brasília. Não concordo que tenha havido interferência indevida do Judiciário na Câmara Legislativa.
Mas é, sem dúvida, uma situação inédita para todos nós ¿ disse Patrício, que convocou para hoje reunião da Mesa Diretora da Casa
Oposição comemora decisão polêmica
Ao expor as razões da decisão, o juiz diz que a participação de alguém em investigação de seu interesse caracteriza atentado frontal à razoabilidade, moralidade e impessoalidade, previstos no caput do artigo 37 da Constituição.
¿Não se pode reputar legítima a atuação como órgão julgador, pessoas que tenham, ainda que em tese, relação direta e pessoal com os fatos ilícitos que serão objeto de processamento e julgamento pelo órgão. Em um Estado Democrático de Direito não é dado a ninguém ser o julgador de sua própria causa, como se o interesse público do julgamento pudesse sucumbir às naturais tendências de autodefesa. Feriria de morte a legitimidade do julgamento¿, diz o juiz.
O juiz refuta ainda a tese de que o Judiciário estaria interferindo indevidamente em questões do Legislativo: ¿O afastamento dos envolvidos, ao contrário de ser uma indevida interferência do Poder Judiciário, configura uma afirmação dos princípios mais caros do Estado Democrático de Direito, a demonstrar que o jogo político tem de estar atento à sua lisura¿.
A decisão do juiz é polêmica e, nos bastidores, os aliados de Arruda enfatizaram a ingerência do Judiciário no Legislativo. A oposição comemorou.
¿ A decisão é inusitada, mas não agride o Legislativo e sim fortalece na busca de dar um mínimo de isenção na condução dos trabalhos no processo de impeachment. Que democracia existe quando a maioria governista, parte dela envolvida no esquema, se utiliza disso para sepultar as investigações e levar adiante o processo de impeachment do governador? ¿ disse a líder do PT, Érika Kokay.
Para a votação do impeachment, no novo cenário, há duas teses: uma delas é a de que os 16 distritais (excluindose os oito titulares) votariam, e o quórum de 2/3 para a aprovação do impeachment seria calculado com base em 16 deputados. O outro caminho seria descolar a competência de julgar o impeachment para o Superior Tribunal de Justiça, como ocorreu recentemente em Rondônia.