Título: Ajuste natural
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Fonte: O Globo, 06/01/2010, Opinião, p. 6

A retração do comércio internacional conjugada a um crescimento da economia brasileira este ano em um ritmo que deverá se situar na faixa de 5%, segundo a maioria nos analistas financeiros, poderá se refletir nos resultados das contas externas do país. Há uma expectativa de redução do saldo da balança comercial ¿ de US$ 24,6 bilhões em 2009, no mesmo nível de 2008 ¿ , seja pela dificuldade de se exportar bens e serviços, seja por um aumento de importações, necessário para suprir a demanda doméstica de produtos essenciais, como máquinas e equipamentos destinados à expansão da capacidade de produção que no futuro se transformará em maior oferta interna.

Desse modo, existe de fato uma tendência de o Brasil registrar um expressivo déficit em transações correntes (mercadorias e serviços) com o exterior em 2010 e até em 2011 ¿ este ano, poderá crescer para 2% do PIB, o dobro de 2009.

No passado, quando chegou a mais de 5% do PIB, a evolução de tal déficit seria motivo de grande preocupação, porque levaria a economia brasileira se tornar mais dependente de poupança externa e vulnerável a turbulências financeiras no exterior.

Essa preocupação poderia inclusive alimentar especulações no câmbio, prejudicando o controle da inflação e a balança comercial, o que, em um ano de eleições gerais, seria demasiadamente perigoso.

Embora previsível, o aumento no déficit de transações correntes não tem perturbado os mercados no Brasil. O déficit deixou então de ser uma ameaça? Realmente hoje o quadro é bem diferente daquele vivido pela economia brasileira anos atrás. Além de hoje o déficit em transações correntes ser financiado de maneira benigna, por investimentos diretos, a dívida externa diminuiu como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) e das exportações.

O montante de reservas cambiais acumuladas, mais de US$ 230 bilhões, daria para cobrir um déficit semelhante ¿ estimado em cerca de US$ 40 bilhões em 2010 ¿ por vários anos, e isso na hipótese quase nula de interrupção total de investimentos e financiamentos para o país. Tudo indica, ainda, que as exportações voltarão a crescer em futuro próximo, em função de investimentos em andamento ou como em consequência de uma retomada do crescimento na economia internacional. E, se não bastasse essa perspectiva, a economia brasileira tem a seu favor instrumento que contribui para um natural ajuste das contas externas: o câmbio flutuante.

Qualquer dificuldade no financiamento do déficit faria a moeda brasileira se desvalorizar, o que funcionaria como um freio para as importações, sem a necessidade de medidas heterodoxas, equivocadas.

Evidentemente que, mesmo que todas as indicações apontem para um déficit passageiro, o Brasil precisa remover obstáculos às exportações, pois elas são uma poderosa alavanca para o desenvolvimento.

Existem gargalos (infraestrutura, burocracia, impostos elevados) que não podem ser compensados pelo câmbio.