Título: Coerência no MinC
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Fonte: O Globo, 07/02/2010, Opinião, p. 6

Na topografia ideológica do governo Lula, o Ministério da Cultura é, desde o primeiro mandato, um ponto de referência no intervencionismo estatal, viés reforçado em Brasília na segunda metade da gestão lulista. Nos primeiros quatro anos de governo, com Gilberto Gil ministro e Juca Ferreira, então futuro sucessor de Gil, secretáriogeral e mentor das ações do ministério, surgiu na Pasta a proposta da Ancinav, agência idealizada para intervir no conteúdo da produção audiovisual do país.

O projeto foi abortado pelo Planalto, devido às críticas do meio artístico e do setor de comunicações a um instrumento a serviço do intervencionismo. Mas o MinC, com Juca no principal gabinete do Ministério, voltou à carga, dessa vez para substituir a Lei Rouanet, em que pese o êxito, por cerca de 15 anos, do sistema de captação de recursos junto à iniciativa privada para o financiamento de produções artísticas e projetos culturais.

Uma crítica a Juca Ferreira seria injusta: incoerência. Pois ele se mantém firme nos preconceitos contra a ação da empresa privada no financiamento à cultura por meio de incentivo fiscal, e na luta pela interferência estatal nas decisões sobre o que deve ser apoiado.

No primeiro semestre do ano passado, o ministro apresentou a proposta de mudanças na Lei Rouanet, na verdade sua revogação.

Mais uma vez, ficou transparente a intenção dirigista de Juca Ferreira.

O projeto continuou em debate e, há poucos dias, a Casa Civil o remeteu ao Congresso.

Apesar da intensa discussão e das críticas, o sentido do projeto de lei é o mesmo: mais poder ao Estado para distribuir os recursos.

Vale dizer, mais espaço para influências partidárias, ideológicas e de corporações.

Mantém-se, inclusive, o risco de insegurança jurídica no financiamento incentivado às artes e cultura.

Ao substituir a Rouanet, o novo sistema, como estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, vigorará apenas por cinco anos, como qualquer novo incentivo fiscal.

Além disso, é concedido ao ministro poder para mudar o enquadramento de projetos de uso de renúncia fiscal, outro fator de insegurança para o mecenato.

Em nome da desconcentração de verbas nos grandes centros e de uma suposta melhor distribuição de recursos no setor, o MinC conseguirá apenas reduzir o volume dos gastos privados em arte e cultura. Se o contribuinte perde poder de decisão para a culturocracia do governo, é preferível pagar o imposto. Resta ao Congresso evitar que um projeto com essas implicações nocivas tramite a toque de caixa.