Título: Ocidente reage a desafio do Irã
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Fonte: O Globo, 08/02/2010, O Mundo, p. 19

Países sobem o tom após Ahmadinejad anunciar avanço em seu programa nuclear TEERÃ e BRASÍLIA

Acomunidade internacional reagiu ontem com dureza à decisão do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, de começar amanhã a processar no país urânio enriquecido a 20% ¿ uma forma mais elaborada do produto que, embora insista ser para uso civil, deixaria Teerã mais próximo de poder produzir bombas atômicas.

Diante do anúncio, os Estados Unidos defenderam o aumento da pressão ao país via imposição de novas sanções. O Reino Unido afirmou que a medida viola cinco resoluções do Conselho de Segurança da ONU e gera fortes apreensões. E a Alemanha alertou que a paciência com o Irã ¿está se esgotando¿.

¿ Se a comunidade internacional se unir e pressionar (o Irã), acredito que ainda haja tempo para que sanções funcionem ¿ afirmou o secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates.

Seus comentários fizeram coro aos da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, para quem o resto do mundo está começando a enxergar o Irã da mesma forma que os EUA: como uma ameaça. O Ministério de Relações Exteriores britânico também protestou. ¿Isso claramente gera fortes apreensões¿, disse em nota oficial. ¿Precisamos considerar nossa resposta em conjunto com a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) e outros.¿ Segundo a TV estatal iraniana, a AIEA será comunicada oficialmente hoje da decisão. A declaração de Ahmadinejad surpreendeu também pela rapidez da aplicação: a produção de urânio enriquecido a 20% ¿ em vez dos atuais cerca de 5% ¿ começaria já a partir de amanhã, segundo a Organização de Energia Atômica local. Embora ainda assim o país continue longe dos 90% de enriquecimento necessários para usar o produto em bombas atômicas, a nova tecnologia permitiria a Teerã chegar a 90% muito mais rapidamente do que hoje, e com poucas alterações de maquinár

Brasília opta pelo silêncio

O anúncio de Ahmadinejad aconteceu após vários dias de sinais trocados por parte do presidente iraniano em relação à sua disposição para reabrir negociações sobre o controverso programa nuclear do país. Também ocorreu em meio a uma certa frustração sobre a proposta de o Irã repassar à Rússia e à França parte do processo de enriquecimento de urânio, que voltaria a Teerã pronto para produção de energia elétrica e numa forma mais difícil de ser usada em armas nucleares. O acordo está começando a ser dado como morto por divergências entre as partes em relação à rapidez com que a matéria-prima voltaria ao Irã. Para o Ocidente, o Irã tenta apenas ganhar tempo.

¿ Demos a eles dois a três meses para o acordo. Eles começaram um novo jogo e agora eu peço ao Dr. Salehi (Ali Akbar Salehi, diretor de energia atômica) para começar a trabalhar na produção de combustível a 20% usando centrífugas ¿ disse Ahmadinejad, numa cerimônia em comemoração a avanços do país na área de tecnologia a laser, embora completando: ¿ As portas para o diálogo ainda estão abertas.

Não está claro, no entanto, se o Irã, que já sofre problemas com sua infraestrutura nuclear, de fato teria capacidade para dar um salto tão ousado em seu programa nuclear. Especulase que Ahmadinejad poderia estar jogando para que EUA, UE e Rússia cedessem sobre o acordo. Já entre membros do governo americano, a avaliação é de que o anúncio apenas acelera a imposição de novas sanções ao país. A decisão de Ahmadinejad também poderia afetar as avaliações de Israel sobre o quão longe o país deixaria Teerã avançar antes de lançar um ataque à infraestrutura nuclear iraniana.

Ainda sem saber o impacto da decisão do Irã, o governo brasileiro optou pelo silêncio ontem. Mas, segundo um alto funcionário, o presidente Ahmadinejad corre o risco de perder o Brasil como aliado. Isto porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva impôs como condição para defender o direito dos iranianos de terem uma política nuclear, o uso desse mecanismo apenas para fins pacíficos.

¿ Se não for para fins pacíficos, nada feito ¿ disse essa fonte.

O presidente Lula teve dois encontros com Ahmadinejad no ano passado. Contatos com autoridades daquele país devem ser mantidos hoje pelo governo brasileiro.