Título: Eleição põe investidor em contagem regressiva
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: O Globo, 08/02/2010, Economia, p. 17

Proteção pode estar em ações de setores como varejo, alimentos, bebidas e exportadoras. Papéis de estatais tendem a sofrer

Não bastasse toda a instabilidade dos últimos dias no mercado financeiro com o temor a respeito da situação de países na Europa, os investidores brasileiros têm uma preocupação adicional para 2010: a eleição presidencial, que, logo após o carnaval, já deverá começar a ter efeitos na Bolsa. Os especialistas não admitem preferência do mercado por um dos principais pré-candidatos, Dilma Rousseff (PT) ou José Serra (PSDB), mas são unânimes na previsão para os próximos meses: volatilidade.

Por enquanto, ninguém acredita que 2010 repetirá 2002, quando o Índice Bovespa (Ibovespa) chegou a cair 38,35%, dos 13.577 pontos do começo do ano para os 8.370 entre o primeiro e o segundo turno, porque o mercado temia uma mudança radical na política econômica com um governo Lula, guinada que acabou não se concretizando. O banco de investimentos Goldman Sachs chegou a criar o ¿lulômetro¿ para medir os efeitos da eleição do petista sobre o câmbio. Mas também é difícil, não impossível, achar quem acredite que teremos um ano igual ao de 2006, em que as eleições passaram ao largo do mercado de ações, com seu principal indicador subindo 32,93%.

Uma forma de se proteger dos efeitos das eleições é apostar nas ações de empresas exportadoras, como a Vale, avalia Daniella Marques, gestora da Oren Investimentos.

¿ Exportadoras são defensivas porque, se houver ruído com as eleições, o câmbio é a primeira coisa que sofre (o dólar sobe) ¿ diz.

Energia e telecomunicações: ações devem ficar instáveis De fato, em 2002, as ações da mineradora subiram 103,69%, no caso das ordinárias (ON, com direito a voto), e 87,36% as preferenciais (PNA, sem voto). Já as PNs da Petrobras caíram 11,83% até o segundo turno, e fecharam com perda menor, de apenas 3,51%. Mas, em 2003, se recuperaram, puxando inclusive, o resto do mercado, ao subirem 78,17%. O Ibovespa, que caiu 17,01% em 2002, subiria 97,34% no ano seguinte.

Os setores mais arriscados este ano podem ser os que são regulados pelo governo, como os de energia e de telecomunicações, avalia Richard Wahba, responsável pela área de renda variável da Fator Corretora.

Normalmente, em crises externas, estes papéis são considerados ¿defensivos¿, por serem bons pagadores de dividendos (participações nos lucros). Para as eleições, ele destaca ainda as ações de empresas de varejo, de bebidas e de alimentos, setores que não são fortemente regulados pelo governo e se beneficiam diretamente do crescimento.

Para a Vale, ele pondera que algum ruído possa ocorrer em função da Lei de Mineração, marco legal do setor, que o governo promete votar este ano.

¿ Se não sair até as eleições, os royalties (participação de estados e municípios) de mineração serão um assunto dos candidatos ¿ diz Wahba.

No caso da Petrobras, o peso político já está presente, com a discussão em torno da capitalização da empresa (para obter recursos para explorar o pré-sal, a estatal venderia ações no mercado).

Papel da Petrobras sofre com expectativa sobre pré-sal Além disso, há a percepção de risco que sempre houve sobre a estatal, devido às interferências do governo, como lembra Octavio Vaz, gestor da Global Equity. Agora, tudo vai depender de o marco regulatório do pré-sal ser aprovado antes das eleições.

Para o estrategista da Way Investimentos e diretor do curso de Relações Internacionais da ESPM, Alexandre Espírito Santo, a indefinição é o pior cenário para os papéis da estatal durante as campanhas.

¿ Isso precisa ser resolvido até abril. Senão, será ruim para a ação ¿ diz Espírito Santo.

Já para Eduardo Roche, da Modal Asset, se a capitalização da Petrobras não sair até as eleições, pode até ser um alívio para as ações da estatal, com a perspectiva de que o próximo governo encontre outras formas mais baratas de financiar os investimentos para o pré-sal, como por meio do próprio plano de investimentos da companhia. Fato é que as ações de empresas do governo tendem à instabilidade em campanhas, a depender dos discursos dos candidatos.

¿ As estatais são sempre as mais problemáticas ¿ avalia Álvaro Bandeira, da Ágora.

Instabilidade pode crescer com as pesquisas Para Espírito Santo, da Way Investimentos, os setores ligados a infraestrutura, como construção civil, podem ser beneficiados se as pesquisas apontarem Dilma na liderança, pois ela está associada ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Já as exportadoras podem ter impacto com notícias relacionadas a Serra, tido como favorável a um dólar alto. Resta ao investidor se preparar.

De modo geral, para os analistas, Dilma representa continuidade de um governo que agradou ao mercado financeiro: a Bolsa de São Paulo acumula alta de 457% desde 2003. As críticas giram em torno do inchaço da máquina pública, da politização das agências reguladoras e de ministérios e do aumento de gastos do governo. Serra simboliza a volta do PSDB, responsável por privatizar diversos setores da economia brasileira.

No entanto, as incertezas maiores podem estar no caso de um candidato de propostas menos conhecidas despontar à frente nas pesquisas, como Marina Silva (PV) ou Ciro Gomes (PSB).

¿ As eleições podem trazer um ruído para o mercado, dependendo do desenvolvimento da disputa, de quem for para o segundo turno, dos apoios e das equipes a serem formadas. Aquela lógica antiga de que o Serra, do PSDB, seria bom para o mercado e a Dilma, ruim, não vale mais.

Mas, se um terceiro ganhar força, poderá trazer mais volatilidade ao cenário ¿ avalia Eduardo Roche, chefe de análise da Modal Asset.