Título: Os olhos abertos da Câmara
Autor: Foreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 07/06/2009, Política, p. 10

Eles são responsáveis por identificar os deputados e marcar a presença todas as vezes que eles entram no prédio da Casa. Esse ¿registro visual¿ é uma função antiga, mas que permanece nos quadros do Congresso. Seu Walter bispo chefia a equipe de ¿olheiros¿ da câmara, mas espera se aposentar ainda este ano. Quando Mário Alves Batista, 55 anos, assumiu seu atual posto na Câmara dos Deputados, a Constituição de 1988 era um dos itens mais recentes debatidos no plenário, o atual presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), estava em seu primeiro mandato, e nunca antes neste país um operário havia assumido a Presidência. Desde então, o servidor da Secretaria-Geral da Mesa precisou exercitar sua memória e decorar centenas de rostos daqueles que diariamente transitam pelo lugar e marcar a presença desses parlamentares.

Com outros sete servidores, Mário é responsável pelo registro visual dos deputados ¿ tarefa fundamental para a abertura de uma sessão, por exemplo. De acordo com o Regimento Interno, pelo menos um décimo dos parlamentares precisa estar na Casa para o trabalho ser iniciado. A função é antiga, anterior à transferência da capital do Rio de Janeiro para Brasília.

Na época, a chapelaria, que é hoje apenas mais um dos acessos ao Congresso, era de fato utilizada para abrigar chapéus dos políticos que entravam no prédio. Os 20 pontos de registro eletrônico espalhados pelo lugar são pouco utilizados pelos deputados. Na maioria das vezes, eles marcam a presença no painel por meio da leitura da impressão digital nas mesas do plenário, antes do início de uma votação. A essa altura, no entanto, algum dos oito servidores da Casa, que se revezam em dois turnos, já percebeu sua presença nos corredores e marcou no sistema. No Senado, o registro é feito pelo próprio senador.

Nem sempre é fácil reconhecer o parlamentar. O movimento nas portarias é grande e o político pode não ser notado. Dia desses um parlamentar não foi computado quando passou entre um grupo de prefeitos. Assim como eles, não estava de terno e gravata. Tarefa difícil até mesmo para os olhos atentos dos servidores.

Os funcionários não veem dificuldade em memorizar os 513 deputados da Casa. Às vezes, o próprio resultado das urnas já ajuda. ¿Tem muito filho de deputado, deputado que fica três legislaturas fora e depois volta¿, afirma Mário. Há 10 anos na função, ele reconhece que às vezes a memória falha ¿ geralmente, quando um suplente assume a vaga do titular. Nesses casos, aborda o parlamentar, mas dá um jeitinho para não parecer deselegante. ¿Pergunto o nome do estado e assim encontro (o nome do deputado no sistema). É muito chato não saber o nome. Dou uma de joão sem braço.¿ A cada legislatura, a Secretaria-Geral da Mesa disponibiliza um catálogo com informações e foto de cada um dos eleitos.

Suplente Na portaria do Anexo 2, Francisco Raimundo Rodrigues Fernandes, 51 anos, usa a TV Câmara a seu favor. Assim que um suplente toma posse, acompanha a solenidade no plenário e já evita um possível deslize. A portaria em frente ao corredor das comissões é uma das mais movimentadas. ¿Pode passar um monte (de deputados) que a gente pega, de costas, de lado. É como se fosse um colega de trabalho que passa todo dia e a gente vê¿, diz Francisco.

O local também é de grande fluxo de motoristas dos políticos, que estendem a pausa para conversar com os servidores da Casa. É assim que eles ficam sabendo de mais detalhes sobre a vida dos políticos. E o histórico facilita a identificação dos parlamentares¿ e o nome e rosto de cada um parece não sair da cabeça dele. ¿Muitas vezes a gente sonha que está em lugares com eles¿.

No programa próprio para o registro, os políticos são divididos por estado e é possível ver a foto do parlamentar. No passado, no entanto, a marcação era feita em um cartaz simples, constando apenas o nome, partido e estado de cada um. Para reunir os dados colhidos em cada portaria, era preciso ligar para o coordenador do grupo, Walter Bispo dos Santos, e passar as informações. Seu Walter, como é conhecido, ainda chefia a equipe, mas sua intenção é aposentar-se ainda este ano. A secretaria ainda não decidiu como substituí-lo e já estuda uma forma de incentivar os deputados a se habituarem com o aparelho de reconhecimento da digital. Por enquanto, os oito funcionários ainda terão muito com que exercitar a memória.