Título: O trimestre da recessão
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 07/06/2009, Economia, p. 25

Dados do IBGE, que serão divulgados nesta terça, mostrarão um recuo de 2% no PIB brasileiro. Retomada na produção será lenta e insuficiente para salvar o ano.

A economia brasileira vai entrar oficialmente em recessão na terça-feira, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciar o segundo trimestre consecutivo de contração no volume de riquezas produzidas no país. Segundo estimativa de economistas, o recuo no Produto Interno Bruto (PIB) entre janeiro e março ficará em torno de 2%, seguindo-se à brutal queda de 3,6% nos três meses encerrados em dezembro de 2008. Atingido o fundo do poço, a expectativa é que o nível de atividade tenha começado uma lenta recuperação a partir de abril, mas a maior parte dos analistas acredita que não haverá tempo útil para evitar o resultado negativo quando for computado o desempenho de todo o ano de 2009.

¿Os últimos indicadores da indústria e o que se vê no consumo das famílias mostram que estamos retomando a rota de um pequeno crescimento. Mas o tombo de outubro de 2008 a março foi tão grande que seria necessário um reaquecimento absurdo na fase posterior para anular esse efeito negativo e permitir uma expansão no ano¿, afirma o economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles. Nos seus cálculos, o passado recente foi tão ruim que legou aos últimos três trimestres do ano uma inércia estatística, chamada de ¿carry-over¿, de 3,4%. ¿É como se já estivéssemos devendo 3,4%.¿ Para Teles, o PIB recuou 2,1% até março. Se a expansão daí para frente for de 1% a 2%, a queda anual seria de até 1%.

A última vez em que o país entrou em recessão técnica foi nos dois primeiros trimestres de 2003, quando o PIB recuou 1,44% e 0,23%. Isso ocorreu porque o governo Fernando Henrique Cardoso teve que aumentar a taxa básica de juros (Selic) de 21% para 24%. Desde 1992, ano em que o PIB caiu 0,54% ainda como reflexo do Plano Collor, o Brasil não fecha um ano mais pobre.

Agora, o problema é a crise internacional. Ela afetou o crédito, a demanda por produtos industrializados, alimentos e minerais, além do nível de emprego, a confiança de consumidores e empresários e os investimentos. Apesar da recessão certa, o Brasil foi um dos países menos afetados em todo o mundo. ¿Quando os dados saírem, estaremos olhando para o retrovisor. Hoje, muita coisa mudou para melhor na nossa economia¿, diz o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges. Segundo ele, o principal indicador desse novo ambiente é o aumento de 20% no índice de confiança da indústria.

Nas projeções da LCA, o PIB vai cair 1,5% no primeiro trimestre, mas crescerá 2,5% no segundo. ¿Vamos sair logo da recessão. Ainda há chance de crescermos ao menos 0,5% no ano¿, aposta. Borges baseia seu otimismo no consumo das famílias, que cresceria 2,7%. No último trimestre de 2008, as vendas no varejo caíram 0,6%, no primeiro recuo desde 2003, mas aumentaram 2,2% de janeiro a março. ¿O crédito voltou para as pessoas físicas, os juros caíram e o desemprego não piorou muito. O consumo de bens duráveis vai ladeira acima.¿

Pé no freio A Tendências Consultoria prevê uma contração de 2% agora, o que reduziria a expansão acumulada em 12 meses de 5,1% para 2,8%. Isso mostra o tamanho do freio por que passou a economia brasileira, que vinha crescendo num ritmo superior a 6% antes da crise. Como consequência, a empresa revisou a projeção para o ano de 0,3% para -0,6%. ¿A principal surpresa negativa tem sido o fraco desempenho da indústria, que vem se recuperando, mas muito lentamente. Esse setor deve apresentar a maior queda no resultado do PIB no primeiro trimestre: -12,4% na comparação com o mesmo período de 2008 e -6,7% em relação ao quarto trimestre de 2008¿, diz Marcela Prada, analista da Tendências.

Na avaliação da economista, o resultado do setor agropecuário seria positivo em 0,4% e o dos serviços, em 0,6%. Pelo lado da demanda, três componentes ficariam no vermelho: importações (-18,5%), exportações (-2,8%) e investimentos (-8,7%). O consumo das famílias subiria 0,1% e o do governo, 0,3%. Os investimentos, que vinham se expandindo a taxas de 17%, foram um dos fatores mais dinâmicos no crescimento econômico de 5,1% em 2008. Mas a contração brutal na demanda interna e externa fez os empresários tirarem o pé do acelerador.

Diferentemente da maior parte dos analistas, o diretor da RC Consultores, Fábio Silveira, acredita que o país vai enfrentar três trimestres seguidos de contração: no primeiro deste ano, de -0,6%; no segundo, de -0,2%. A recuperação só viria no segundo semestre, quando se consolidaria o aumento da produção industrial e a elevação do consumo via crédito. Com uma condição. ¿O mercado financeiro está passando por uma nova bolha, com elevação artificial do preço dos ativos nas bolsas de valores. Se essa bolha não furar no segundo semestre, podemos crescer 0,3% no ano, o que seria magnífico¿, antevê.