Título: Brasileiros relatam cenas de filme de terror
Autor: Suwwan, Leila; Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 29/12/2009, O País, p. 3

No aeroporto de Belém, famílias se desesperam sem notícias de parentes no Suriname

Embora a embaixada brasileira não confirme nenhuma morte em decorrência do conflito no Suriname, brasileiros vítimas do ataque afirmam ter visto corpos de conterrâneos enquanto tentavam fugir do local, na cidade de Albina. Ainda assustados, cinco brasileiros atacados desembarcaram anteontem à noite de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) no aeroporto de Belém.

Após passar cerca de 15 horas escondido na mata para não ser assassinado, o maranhense Antônio José Oliveira contou no aeroporto que viu um brasileiro morto e ouviu relatos de que haveria mais mortos. Segundo o jornal ¿O Liberal¿, do Pará, que acompanhou o desembarque, Oliveira disse que um grupo de aproximadamente 80 homens e mulheres surinameses invadiu o acampamento, e ¿atacou quem via pela frente¿. Instalado no acampamento há dez meses, Oliveira contou que se mudou para o Suriname a fim de juntar dinheiro com o garimpo ilegal, mas se arrependeu, pois a tensão com os quilombolas era constante.

Já o maranhense Fernando Lima, de 29 anos, disse ter vivido ¿cenas de filme terror¿ na cidade de Albina, onde morava no acampamento com outros garimpeiros brasileiros. Ferido na cabeça, ele disse que o ataque começou às 20h do dia 24 e só terminou às 4h da manhã do dia de Natal. Fernando confirmou que a invasão ocorreu após a morte de um quilombola, durante uma briga com um brasileiro.

Ele disse que os surinameses saquearam pertences dos brasileiros: ¿ Fugi para tentar sobreviver, mas muita gente ficou ferida. Eu mesmo fui atingido com um golpe de facão na cabeça. Eles saíram cortando todo mundo e levando tudo o que podiam.

Ainda atearam fogo em um posto de gasolina e em dois supermercados de chineses.

Desde que recebeu a notícia de que o marido, Reginaldo Serra, havia sofrido o ataque, Fabiane Serra está angustiada pela falta de informações.

Reginaldo é um dos cinco que desembarcaram em Belém. Ontem, ela aguardava a chegada dele a Altamira, onde moram. Por telefone, disse que o marido está em estado de choque: ¿ Ele está muito nervoso, desesperado. Pulou na água para sobreviver e viu muita gente ferida. E ainda perdeu tudo o que tinha.

Ontem de manhã, quando o primeiro avião comercial vindo da capital do Suriname, Paramaribo, chegou ao Brasil, famílias dividiam sentimentos de alívio e preocupação. Enquanto alguns choravam ao rever parentes que deixaram o Suriname preocupados com o clima de tensão no país, outros estavam desesperados com a falta de informações sobre os familiares que vivem naquele país. É o caso de Maria de Jesus, que foi fotografada aos prantos por não ter recebido notícias do filho. Sandra de Souza foi ao aeroporto à procura da filha Rosângela, de 23 anos. Sem querer falar sobre o ataque, com medo de que a filha sofresse alguma represália, ela também chorava, segurando a foto de Rosângela, que não estava entre os 66 passageiros brasileiros do avião e mora na cidade de Albina.

Entre os passageiros do voo comercial não havia vítimas do ataque, que estão sendo trazidas em aviões da FAB, como informou o subcomandante da base aérea, tenente coronel José Roberto de Oliveira.

A maioria mora em Paramaribo, mas resolveu voltar ao Brasil com medo de novos ataques.

Embora a embaixada brasileira trate o episódio como um caso isolado, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que esteve no Suriname em 27 de novembro, afirmou que o conflito não foi uma surpresa, pois o Itamaraty sabia da tensão constante no local. Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Azeredo viajou na ocasião com o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) e dois embaixadores do Itamaraty para se encontrar com o ministro da Justiça do Suriname e tratar do grande número de imigrantes brasileiros no país e dos conflitos relacionados ao garimpo: ¿ Fizemos um relatório logo que chegamos, e o Itamaraty pretende fazer esforços, junto com o governo surinamês, para mudar a situação.

* Com agências