Título: Sem saneamento, sem casa própria
Autor: Oswald, Vivian; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 14/02/2010, Economia, p. 23
Falta de esgoto e água tratada é gargalo à construção de moradias populares. Só 15% dos recursos foram contratados BRASÍLIA
A explosão habitacional alardeada pelo governo vai esbarrar na carência de redes de esgoto e distribuição de água pelo Brasil. Em terrenos sem saneamento, e portanto sem urbanização, não podem ser usados recursos públicos para construir moradias para a baixa renda. O impacto desta restrição ficou claro em 2009. Apesar de os três principais fundos públicos de recursos para a área terem colocado R$ 21 bilhões à disposição para obras, apenas 15,5%, ou R$ 3,260 bilhões, foram contratados.
Estima-se que o país tenha hoje cem milhões de pessoas sem acesso a esgoto tratado e 45 milhões sem água nas torneiras de casa. Boa parte da escassez de investimentos em saneamento se explica pelo fato de a maior parte das empresas estaduais estar mal das pernas. Responsáveis por 75% dos serviços prestados à população, elas não têm capacidade financeira para tomar empréstimos, muito menos de se lançar em novos empreendimentos.
¿ O problema não é o marco regulatório, que ficou pronto em novembro de 2009, nem dinheiro. Há recursos esperando bons projetos no setor ¿ diz o vice-presidente para Loterias e Fundos de Governo da Caixa Econômica Federal, Wellington Moreira Franco.
Dados da Caixa mostram que dos R$ 4,2 bilhões do orçamento direto do FGTS destinado ao setor, apenas R$ 1,66 bilhão foi contratado. Da linha de R$ 3 bilhões do Fundo para a compra de debêntures e outras operações de mercado na área de saneamento, só saíram R$ 850 milhões.
E, dos R$ 13,8 bilhões gastos pelo Fundo de Investimento para Infraestrutura do FGTS, o FI-FGTS, somente R$ 710 milhões foram usados em projetos apresentados pelo setor.
Diante do impasse, a Caixa acaba de concluir, com a ajuda da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), um plano para reestruturar as contas destas empresas e torná-las aptas a investir novamente. Em um primeiro momento, elas precisam se submeter a uma espécie de choque de gestão que inclui auditorias externas.
A partir daí, o novo Programa de Revitalização das Companhias Estaduais de Saneamento vai ajudar as empresas a desenvolver projetos, buscando parcerias no setor privado e no próprio FI-FGTS. Este último pode vir a comprar debêntures das companhias ou mesmo participação em seu capital.
Como o fundo é o braço do FGTS criado para aplicar em projetos que deem lucros para aumentar a rentabilidade, só se aplicará dinheiro em negócios que tenham a garantia de bons resultados. O termo de adesão deve ser distribuído depois do carnaval. Sete companhias já manifestaram interesse.
É preciso um `Proer das companhias estaduais"
Em entrevista ao GLOBO, o ministro das Cidades, Márcio Fortes, afirmou que o PAC-2 ¿ filhote do Programa de Aceleração do Crescimento, a ser lançado em março, que tem como mote investimentos sociais, como educação infantil, saúde e transporte urbano ¿ inclui recursos para assistência técnica às companhias estaduais com o objetivo de melhorar as gestões financeira e operacional. Um acordo com o Banco Mundial com o mesmo fim está esperando a aprovação do Senado.
¿ Não vejo (a situação da maior parte das empresas) como gargalo, porque sempre há uma forma de tomar recursos. Pode ser via o Estado, por exemplo ¿ disse o ministro.
Segundo a Abdib, dois terços das 27 companhias estaduais de saneamento têm mais despesas do que receitas e não podem fazer novos investimentos. Apenas oito empresas poderiam ser consideradas razoáveis, diz a associação. As outras 19 têm grandes problemas de gestão, equipes inchadas, altos índices de perdas, falhas de governança e falta de transparência.
¿ Não adianta chover dinheiro para essas empresas. Elas não têm recursos nem para o dia a dia ¿ afirma o vice-presidente da Abdib, Nilton Lima Azevedo.
¿ Será preciso fazer um Proer das companhias estaduais, exigindo boa gestão e, se necessário, realizando a intervenção ¿ concorda o vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins.
A falta de oferta de terrenos para a construção de casas populares já é o pior gargalo do programa Minha Casa, Minha Vida, pois encarece as áreas e, consequentemente, os projetos. Se optarem por erguer prédios em áreas não urbanizadas, as construtoras terão de fazer o saneamento, que é muito caro e acaba desenquadrando os imóveis do Minha Casa.
Fontes do Ministério da Fazenda admitem que o gargalo do saneamento estava previsto e, por isso, o governo lançou (junto ao Minha Casa, Minha Vida) uma linha do BNDES de R$ 5 bilhões para financiar as obras de distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto que as construtoras terão de fazer.
Segundo o vice-presidente da Abdib, para universalizar os serviços de água e esgoto são necessários pelo menos R$ 10 bilhões por ano durante duas décadas. Trata-se de cerca de 0,63% do Produto Interno Bruto (PIB).
Wagner Victer, presidente da Cedae, defende que não há dúvida de que a universalização das redes de água e esgoto precisa de recursos a fundo perdido, como aconteceu com o setor elétrico no programa Luz para Todos.
¿ Empresas privadas só querem saber do filé mignon. O custo operacional em lugares distantes chega a ser cinco ou seis vezes maior do que as tarifas cobradas, sem falar que ainda há a inadimplência. Ninguém quer Varre-Sai (no Noroeste Fluminense) ou Trajano de Moraes (na Região Serrana) ¿ afirmou.
¿ Saneamento tem que ter rentabilidade e não maximização de lucros, que é o que querem as empresas privadas.