Título: Polêmica, usina de Belo Monte é opção mais barata e menos poluente
Autor: Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 14/02/2010, Economia, p. 25

Para Eletrobrás, projeto é alternativa a térmicas. Capacidade de Tucuruí deve crescer 50% Enviada Especial

TUCURUÍ (PA). A Região Amazônica é fundamental para garantir o abastecimento futuro do país, com energia mais limpa e barata. E um dos projetos considerados fundamentais e estratégicos pelo presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, é a polêmica hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, com 11.233 megawatts (MW) de capacidade. Na avaliação de Muniz, as alternativas para o país são: ou Belo Monte ou térmicas a óleo.

A Eletrobrás está estudando ainda aumentar em mais quatro mil MW a capacidade da hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins (PA), a 400 quilômetros de Belém e com 8.370 MW de capacidade. Tucuruí é a segunda maior usina do país, só superada por Itaipu que é binacional e tem capacidade de 14 mil MW. Essa energia adicional seria gerada apenas durante cerca de quatro meses, na época da cheia do rio, para evitar jogar a água fora pelo vertedouro, como ocorre atualmente.

A construção de Belo Monte é um dos projetos mais polêmicos. Sofre forte pressão de ambientalistas e algumas comunidades indígenas, por ser encravada em plena selva amazônica e provocar alterações na vazão em alguns locais e afluentes do Xingu. Mas Muniz ¿ que defende Belo Monte há 21 anos e já foi até ameaçado por uma índia com um facão ¿ alerta que, ironicamente, sem a usina, o Brasil vai consumir cada vez mais energia de térmicas a óleo, mais caras e grandes emissoras de gases poluentes.

¿ Belo Monte é estratégico para o país, é imprescendível.

O parque térmico a óleo que o Brasil tem hoje é porque Belo Monte atrasou. E se essa usina continuar atrasando, vão entrar mais térmicas a óleo ¿ alertou Muniz Lopez.

Cheia no Rio Xingu compensa baixa no Sudeste A maior importância de Belo Monte, segundo Muniz, é a possibilidade de ela ser uma espécie de pulmão do sistema interligado. A explicação é simples: nos rios da Região Sudeste e no Rio São Francisco ¿ onde se localizam as principais hidrelétricas do país ¿ os meses de maior vazão são fevereiro e março.

Já no Xingu, o volume de água cresce nos meses de abril e maio. Assim, a redução da geração de energia no Sudeste poderia ser compensada com a energia de Belo Monte.

Isso evitaria o acionamento das térmicas, que costumam complementar a geração energética em períodos de baixa nos rios.

¿ Ou construímos Belo Monte ou vamos precisar de mais térmicas a óleo. Ou então vamos conviver com dificuldades de racionamento como convivem hoje os vizinhos do Brasil ¿ alertou Muniz Lopes.

A usina conseguiu recentemente a licença prévia do Ministério do Meio Ambiente e, por isso, o governo espera conseguir realizar o leilão em abril ou maio próximos.

Serão afetadas duas comunidades indígenas Para se chegar até o local onde será construída a usina são necessárias cerca de duas horas de ida e outras duas horas de volta em voo de helicóptero ou em um pequeno avião apertado e desconfortável.

Se for feita escala em Altamira, o município que será atingido pela hidrelétrica, a duração da viagem é ainda maior: cerca de cinco horas. A visão que se tem do Xingu desde o avião impres

siona, com suas águas caudalosas na imensidão da selva.

No caminho, muitas áreas desmatadas, cortes ilegais de árvores e até carvoarias que aproveitam restos das árvores cortadas.

Pelo formato do projeto, a casa de força com as turbinas que vão gerar a energia de Belo Monte não ficará junto à barragem, como ocorre em outras hidrelétricas. A barragem no Rio Xingu ficará a 50 quilômetros da vazante de Altamira. A casa de força ficará, por sua vez, a 90 quilômetros de distância, mas no sentido do oposto.

Para reduzir o impacto ambiental, a usina será a fio d¿água, ou seja, sem reservatório para armazenar água. Com isso, a área inundada pelo empreendimento será de 500 quilômetros quadrados, contra os 1.500 quilômetros quadrados do projeto original.

Serão afetadas pela usina duas comunidades indígenas, a de Paquiçamba e a de Araras, no Rio Bacajá (PA). O geólogo Nestor Antonio Mendes Pereira, da Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás, participou dos estudos sobre Belo Monte. Pereira garantiu que o único impacto da usina nessas duas comunidades é uma redução da vazão dos rios próximos das aldeias.

No entanto, o geólogo garantiu que o projeto prevê a redução da produção de energia em Belo Monte, se necessário, para garantir uma vazão mínima nas áreas indígenas de dois mil metros cúbicos por segundo. Esse volume é bem maior do que o volume mínimo do Xingu no período seco, de 400 metros cúbicos por segundo. No período de cheia, a vazão chega a 32 mil metros cúbicos de água por segundo.

¿ Essas aldeias indígenas não vão ser inundadas, vão ter a água reduzida, mas não tanto quanto a natureza diminui. Talvez vão ficar até com um pouco mais ¿ disse Pereira.

Em Altamira, remoção de 16.420 pessoas O presidente da Eletrobrás está confiante que o governo realizará o leilão da hidrelétrica de Belo Monte entre abril ou maio deste ano. Contudo, o projeto deverá continuar a receber forte oposição de ambientalistas e comunidades indígenas. Um dos maiores opositores à hidrelétrica é o bispo de Altamira Dom Erwin Krautler, que tem forte influência nas comunidades indígenas. Segundo Muniz Lopes, os índios caiapós estão entre os maiores opositores à usina, apesar de estarem bem distantes da região.

¿ Oposição sempre vai existir. Mas nós já temos a licença prévia. Nenhum índio vai ser removido. E o impacto em Altamira será benéfico, tirando as pessoas da extrema pobreza e dando mais dignidade a elas ¿ garantiu Muniz Lopes.

Um morador de Tucuruí ¿ cidade próxima à usina de mesmo nome ¿ que preferiu não se identificar, disse que a maior parte dos cerca de cem mil habitantes em Altamira é favorável a Belo Monte, na esperança de melhorias do município.

De Altamira serão removidas 16.420 pessoas que vivem em palafitas na beira do rio, em condições de extrema pobreza.

Na época de cheia dos rios, as casas de palafita são inundadas e, na baixa, as pessoas vivem num verdadeiro lamaçal, onde a água se mistura com as fezes humanas.