Título: O irmão do mulá Omar
Autor: Mazzetti, Mark; Filkins, Dexter
Fonte: O Globo, 17/02/2010, O Mundo, p. 21

Golpe pode ter impacto maior do que ofensiva militar e abrir espaço para radicais

SOLDADO AFEGÃO observa líderes tribais deixando uma shura (reunião) em Badula Qulp, na província de Helmand

CABUL. O mulá Abdul Ghani Baradar ¿ segundo na cadeia de comando talibã ¿ é considerado o máximo expoente da luta mujahedin, o guerreiro rebelde sem quartel, responsável pelas operações militares e pelas ¿plantações de bombas¿ que já surpreenderam e mataram tantos soldados. Por este homem de 42 anos passaram todas as decisões importantes dos talibãs na guerra contra o Ocidente no Afeganistão e no Paquistão, um verdadeiro ¿peixe grande¿, capturado agora por paquistaneses e americanos. Para o jornal ¿El País¿, sua prisão pode ter um impacto maior na guerra no Afeganistão do que todas as ofensivas da Otan juntas.

Mas entre seus homens ele é conhecido por um outro nome, um apelido que o líder dos talibãs, o mulá Omar, colocou há anos e que dá ideia da proximidade entre os dois: irmão. Ambos vêm da mesma região do Afeganistão, combateram juntos contra o Exército soviético e, nos anos 90, e fundaram o Movimento Talibã.

A amizade com Omar nasceu durante a guerra contra a ex-União Soviética. Após a guerra, abriram suas próprias madrassas, mas logo se rebelaram contra os senhores tribais locais, que contrariavam a tradição islâmica, e com os anos acabaram controlando o Afeganistão.

O homem sem face na página da Interpol nasceu em 1968, num povoado na província de Uruzgan e é considerado o vice-ministro da Defesa do Talibã. Seu poder se fortaleceu depois que Omar teve que se esconder e sua rotina passou a ser coordenar as operações militares e financeiras. Era ele quem escolhia e expulsava governadores e comandantes talibãs; controlava o dinheiro procedente do ópio e dos sequestros; e presidia a Shura de Quetta, o conselho de líderes talibãs que se reunia na capital da província do Baluquistão. Atribuem a Baradar a reconstrução do Talibã como uma força combatente. Foi ele ainda o responsável pela ¿tática das flores¿, bombas improvisadas ¿plantadas¿ em estradas estratégicas para impedir o avanço de soldados.

Baradar pertence à velha guarda talibã, combatentes mais moderados do que os novos, surgidos em 2001, mais extremistas e ideologicamente mais próximos à al-Qaeda. Sua saída poderia levar a uma radicalização da luta e fazer com que o grupo perca apoio da população, acreditam alguns especialistas no conflito. Líderes como Baradar, que ganhou um perfil da revista americana ¿Newsweek¿ no ano passado, ¿operam como um tradicional chefe tribal pushtu¿. Quando visitava um local, conversava com chefes militares, políticos, anciãos e integrantes do segundo escalão. Ele chegou mesmo a distribuir uma cartilha de conduta, por ordem de Omar, aos combatentes, com conselhos sobre como evitar a morte de civis nos combates, conquistar a simpatia da população e limitar ataques suicidas, pois muitas pessoas eram atingidas.