Título: Grécia: contagem regressiva
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Fonte: O Globo, 17/02/2010, Economia, p. 13

UE dá 1 mês para corte de gastos e exige esclarecimento sobre maquiagem de dívida até sexta

CAMINHONEIROS PARADOS no Porto de Pireus: funcionários da Alfândega fizeram greve para protestar contra corte de gastos

POLICIAIS EM frente ao prédio do JPMorgan em Atenas, alvo de um atentado à bomba

BRUXELAS, ATENAS e LONDRES

Os ministros de Finanças da União Europeia (UE) deram à Grécia o prazo de um mês, até 16 de março, para apresentar os primeiros resultados de seu plano de cortes nos gastos públicos, ou terá de aceitar medidas adicionais, como novos impostos. Além disso, o Eurostat, órgão de estatísticas do bloco, exigiu que a Grécia apresente até sexta-feira informações sobre como usou e contabilizou contratos de câmbio e derivativos. No fim de semana, reportagens da revista alemã ¿Der Spiegel¿ e do jornal americano ¿The New York Times¿ (¿NYT¿) afirmaram que bancos de investimento de Wall Street teriam ajudado a Grécia a mascarar a situação de sua dívida. Segundo o ¿Wall Street Journal¿, a Comissão Europeia quer investigar o papel e a ética dos bancos na crise grega.

¿Se for confirmado que alguns bancos de investimento estiveram envolvidos nesse tipo de exercício, teremos de ver se é possível fazer algo sobre isso¿, disse ao ¿Journal¿ o comissário para Assuntos Econômicos da UE, Olli Rehn. Ele disse ainda que os bancos devem se perguntar se o que fizeram está de acordo com seu código de ética.

Goldman Sachs: acordos desde 2001

O ¿Journal¿ afirmou que as medidas de aperto fiscal previstas pela UE incluiriam novas taxas sobre itens supérfluos. Outra medida, segundo o jornal espanhol ¿El País¿, seria a elevação do percentual do IVA, imposto sobre os bens de consumo.

De acordo com o ¿NYT¿, uma única operação conduzida pelo Goldman Sachs ajudou a esconder bilhões em dívidas da Grécia dos reguladores em Bruxelas. O jornal afirma, citando fontes próximas ao assunto, que em 2001, logo após a Grécia ser admitida na zona do euro, o Goldman ajudou o governo a tomar bilhões emprestados. O acordo não veio a público porque foi tratado como uma operação cambial, não como um empréstimo. Com isso, o governo grego podia cumprir as regras de déficit fiscal da UE ¿ limitado a 3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) ¿ ao mesmo tempo em que seus gastos ultrapassavam o Orçamento.

Segundo o britânico ¿Financial Times¿, as operações prosseguiram até 2008. A maior delas teria sido a de 2001, no valor de 2 bilhões. O euro entrou em vigor em 1º de janeiro de 2002.

¿Por meio de dezenas de acordos na Europa, os bancos arrumavam dinheiro em troca de pagamentos futuros do governo, e esses passivos eram deixados fora do balanço. A Grécia, por exemplo, negociou os direitos a tarifas aeroportuárias e receitas com loteria por anos à frente¿, afirma o ¿NYT¿.

O jornal conta ainda que várias das operações tinham nomes da mitologia grega: uma foi batizada de Éolo, o deus dos ventos. Como não eram registrados como empréstimos, esses acordos escondiam a verdadeira situação fiscal do país.

O ¿NYT¿ compara a situação da Grécia à da seguradora American International Group (AIG), cujo rombo financeiro também teve origem em operações com derivativos.

Outro banco envolvido nessas operações e citado na reportagem do ¿NYT¿ foi o JPMorgan, que acabou sendo alvo da ira grega. No início da noite de ontem, uma bomba explodiu no prédio que abriga o escritório do JPMorgan em Atenas. Segundo a polícia, ninguém ficou ferido. Pouco antes da explosão, alguém avisou um jornal local sobre a bomba.

O ¿Financial Times¿ cita também os bancos Morgan Stanley e Deutsche Bank. E diz que Itália, Espanha e Portugal usaram formas semelhantes de maquiagem contábil para manter seus déficits dentro do limite de 3% do PIB, conforme as determinações da zona do euro.

Segundo o ¿NYT¿, até nas vésperas do estouro da crise os bancos de Wall Street ainda buscavam maneiras de a Grécia evitar o inevitável. No início de novembro, afirma o jornal ¿ ou seja, três meses antes de Atenas ser o foco dos problemas financeiros globais ¿ uma equipe do Goldman foi à capital grega com uma proposta para maquiar suas contas. Citando fontes, o ¿Times¿ afirma que o banco propôs que o governo usasse um instrumento financeiro que jogaria a dívida do sistema de saúde para o futuro. Segundo o jornal, seria como um endividado que paga suas contas com o cartão de crédito. O governo não aceitou.

Na segunda-feira, a Comissão Europeia afirmou que o governo grego não informou sobre as operações cambiais durante uma visita de monitoramento do Eurostat, em setembro de 2008. Mas um ex-funcionário do Ministério de Finanças disse ao ¿Financial Times¿ que o Eurostat sabia e considerou tudo legal na ocasião.

Greve provoca temor de desabastecimento

A Grécia também está tendo de enfrentar uma greve dos funcionários da Alfândega e do Ministério de Finanças, para protestar contra as medidas de austeridade do governo, que incluem congelamento de salários no serviço público. A paralisação da Alfândega vai até amanhã e vai afetar importações e exportações gregas, podendo prejudicar também o fornecimento de combustíveis. Ontem, já havia filas de caminhões no Porto de Pireus. Alguns funcionários estão liberando na Alfândega apenas remédios e itens perecíveis. A greve provocou filas nos postos de combustíveis, com a população temendo um desabastecimento.

Já a greve do ministério vai até sexta-feira. Ficarão paralisados os serviços de dados estatísticos ¿ que a UE acusa de terem sido maquiados para melhorar a situação financeira do país. Na semana passada, os funcionários públicos fizeram uma paralisação de 24 horas.