Título: Tática do atropelo
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 17/02/2010, Economia, p. 14

As razões ainda não estão muito claras. Não se sabe se é a popularidade alta do presidente Lula, que deixou o governo cheio de si; ou a proximidade das eleições, que imprimiu um sentido de urgência à equipe econômica. O fato é que nos últimos meses o Congresso foi testemunha e vítima de um conjunto de iniciativas do Executivo que atropelam a legislação, no trato do gasto público.

A Lei de Responsabilidade Fiscal diz, com toda a clareza, que a criação de um gasto obrigatório continuado deve vir acompanhada da fonte de custeio. Mas essa regra não foi respeitada em vários atos do Executivo. Um exemplo recente é a Medida Provisória 475, de dezembro de 2009, que dispõe sobre o reajuste dos benefícios previdenciários em 2010 e 2011. No artigo 3º, a MP fixa o reajuste que deverá vigorar a partir de janeiro de 2011, onde está embutido um ganho real equivalente a 50% da variação do PIB.

A concessão do ganho real implicará aumento dos gastos da União em 2011. A Constituição e a LRF determinam que, no caso, o aumento da despesa deveria vir acompanhado de uma estimativa do impacto orçamentário e financeiro da medida, com indicação da origem dos recursos que custearão esse gasto. Nada disso foi mencionado na referida MP.

Outro exemplo de descumprimento da LRF está na MP 471, também de 2009, que estabelece incentivos fiscais para o desenvolvimento regional. Neste caso, o governo reconhece na exposição de motivos que não está cumprindo as exigências da lei. Argumenta que não haverá repercussões fiscais em 2010, só a partir de 2011. E promete incluir a previsão de gastos nos orçamentos futuros, "de forma a não afetar as metas de resultados fiscais".

A interpretação elástica feita pelo governo para o texto da LRF colide com o que determina a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2010, que reforça a necessidade de demonstração do impacto futuro de despesas ou renúncia de receitas, mesmo na hipótese da decisão não ter efeito imediato.

O governo também atropelou a Constituição e o Congresso ao editar, no fim do ano passado, uma MP abrindo créditos extraordinários de R$18 bilhões no Orçamento, que já tinham sido encaminhados por projeto de lei e o Congresso não havia aprovado por falta de acordo entre os partidos.

Ao sancionar o Orçamento de 2010, o presidente Lula vetou autorização para a criação de mais de 5 mil cargos no Executivo, incluída no texto orçamentário por iniciativa do Congresso. Isso não significa que os cargos não serão criados. Ao contrário. O veto foi baseado em mais uma interpretação flexível do texto constitucional, contestada por parecer das Consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado.

A equipe econômica considerou desnecessária a autorização do Congresso para a criação dos cargos, argumentando que não haveria aumento de despesas; ou porque outros cargos seriam extintos, ou porque o provimento não seria imediato. De novo, como destaca o parecer da Consultoria de Orçamento, a lei diz, com clareza, que todas as alterações de despesas com pessoal e encargos devem constar do Orçamento.

Na nota que analisou os vetos relativos à criação dos cargos, os consultores afirmam: "fica patente a deliberada pretensão à ausência de transparência nas políticas públicas na área de pessoal por parte do poder Executivo." As razões podem ser diversas, mas o fato é que o governo habituou-se a atropelar o Congresso, quando o assunto é gasto público, e não encontra resistência ao impor sua interpretação do que determina a lei.

Gasto maior dentro da lei

A Confederação Nacional dos Municípios fez uma radiografia dos custos das câmaras municipais do estado do Rio. O resultado é surpreendente. Quem lidera o ranking de gasto per capita do Legislativo é o município de Quissamã, que possui apenas 19 mil habitantes. Em 2008, o custo por cidadão chegou a R$214, valor que é quase três vezes maior do que o observado na capital, onde a despesa é de R$62,62 por habitante. Em segundo lugar aparece o pequeno município de Macuco, que possui pouco mais de cinco mil habitantes. O custo para manter a câmara, no caso, é de R$166 por cidadão.

Na outra ponta do ranking, São Gonçalo, com quase 1 milhão de pessoas, tem um gasto per capita de apenas R$10,92. A distorção nos gastos das câmaras municipais está amparada no texto constitucional, que limita as despesas a um percentual da receita dos municípios. Quanto menor o número de habitantes, maior é o limite da despesa. Para os municípios com menos de 100 mil, o gasto pode chegar a 7% da receita. Para que economizar?