Título: O Irã é um Estado nuclear
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Fonte: O Globo, 12/02/2010, O Mundo, p. 28

No aniversário da revolução, Ahmadinejad diz poder enriquecer urânio a 80% e sufoca oposição Diante de uma multidão de iranianos, o presidente Mahmoud Ahmadinejad esbanjou termos ufanistas e também desafiadores, ao afirmar que o Irã é um ¿Estado nuclear¿ e tem capacidade para enriquecer urânio até 80% ¿ quantidade próxima aos 90% necessários para armas atômicas. No discurso comemorativo do aniversário de 31 anos da Revolução Islâmica, Ahmadinejad confrontou a comunidade internacional e, com a internet e serviços de telefonia celular severamente censurados, conseguiu conter as tentativas da oposição de levar reformistas às ruas numa nova onda de protesto semelhante à vista após as eleições presidenciais, em junho passado. Houve registro de choques e violência em pontos de Teerã e diversas cidades iranianas, mas a chamada ¿Revolução Verde¿ foi praticamente sufocada por policiais e voluntários das milícias Basij.

Barreiras, tiros e gás contra oposição

¿ A nação iraniana é brava o bastante.

Se um dia quisermos fazer a bomba nuclear, vamos anunciar publicamente sem ter medo de vocês no Ocidente ¿ garantiu o presidente.

¿ Somos capazes de enriquecer urânio a mais de 20%, a mais de 80%, mas não faremos pois não precisamos disso ¿ emendou.

Segundo a TV estatal, ¿centenas de milhares¿ de pessoas assistiram ao discurso na praça Azadi, no centro de Teerã. Enquanto os poucos jornalistas estrangeiros no país trabalharam sob forte censura, limitados a uma área reservada à imprensa e impedidos de circular, milhares de policiais e membros da milícia Basij ocuparam o centro da capital, montando checkpoints para impedir a chegada de simpatizantes da oposição. Houve relatos de violência e, em vários pontos de Teerã, os manifestantes foram dispersados com bombas de gás lacrimogêneo e até mesmo tiros. Além de Teerã, imagens amadoras divulgadas no YouTube mostraram confrontos nas cidades de Isfahan, Shiraz, Mashhad, Ahvaz e Tabriz. Centenas de pessoas teriam sido presas. Mas, a exemplo dos protestos pós-eleição, as informações eram repassadas na internet e não podiam ser confirmadas oficialmente. Segundo a rede de TV Al Jazeera, a bisneta do aiatolá Ruhollah Khomeini ¿ pai da Revolução Islâmica ¿, Zahra Esraghi, e o marido, Reza Khatami, irmão do expresidente Mohamad Khatami, foram detidos e libertados horas depois.

A tensão na capital começara na véspera, com opositores gritando ¿morte ao ditador¿ durante a noite nos telhados de casas e edifícios. Pela manhã, os líderes da oposição, Mir Houssein Mousavi e Mehdi Karroubi, foram impedidos de chegar ao centro da cidade.

O carro de Karroubi foi atacado e teve os vidros quebrados na praça Sadeghie. Ele sofreu cortes e ferimentos leves no rosto. Revoltados, simpatizantes enfrentaram a polícia e milicianos escondidos na multidão usando roupas civis. Ativistas pró-governo atacaram ainda o carro do ex-presidente reformista Mohamed Khatami.

No mais grave ataque a uma figura do primeiro escalão do movimento oposicionista, a esposa de Mousavi, Zahra Rahnavard, de 65 anos, foi linchada por milicianos. Ela sofreu golpes na cabeça e nas costas e teve de ser retirada do centro da cidade às pressas.

Em desabafos no Twitter e na rede social Facebook, muitos se mostraram decepcionados com o fracasso da mobilização popular devido ao controle severo das telecomunicações no país.

¿ Éramos um grupo de cerca de 300 pessoas contra milhares de ativistas pró-governo. Eles venceram, mas isso não significa que fomos derrotados.

Precisamos de tempo para nos reorganizar ¿ contou uma jovem.

EUA: capacidade nuclear é blefe

Acirrando ainda mais o clima de disputa entre Teerã e o Ocidente, o chefe da Agência Nuclear do Irã, Ali Akbar Salehi, afirmou que o processo de enriquecimento de urânio a 20%, iniciado há dois dias, ¿ia muito bem¿. A tensão se estendeu ainda às embaixadas iranianas na Europa. Em Estocolmo, 200 pessoas enfrentaram a polícia num ato pela democracia no Irã.

Um dia após os EUA anunciarem novas sanções ao governo iraniano, o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, desafiou Ahmadinejad a provar a capacidade de enriquecer urânio a níveis elevados. Em Brasília, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reagiu com cautela às declarações do iraniano e defendeu o caminho das negociações diplomáticas.

¿ Eu lamentaria qualquer declaração, ainda que hipotética, sobre 80% ¿ disse Amorim. ¿ Falar nisso não é produtivo. Não é proibido falar, mas não é produtivo para quem está buscando a negociação ¿ ponderou.