Título: Paulo Octávio fica, mas até quando?
Autor: Carvalho, Jailton de; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 19/02/2010, O País, p. 3
Governador em exercício desiste de renunciar à espera de decisão do STF e agrava crise no DF
Jailton de Carvalho, Luiza Damé e Soraya Aggege
BRASÍLIA
Depois de redigir três diferentes cartas de renúncia e até entregar uma delas à líder do governo da Câmara Legislativa, Eliana Pedrosa, o governador interino do Distrito Federal, Paulo Octávio (DEM), recuou e disse ontem que, por enquanto, permanecerá no cargo. Numa atitude que agrava ainda mais a crise política no DF, o governador alegou que mudou de ideia após receber apoio de última hora de correligionários, da população e até do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem se reunira de manhã. A indecisão do governador surpreendeu até secretários e colaboradores convocados ao Palácio do Buriti para acompanhar o anúncio formal da renúncia, que não aconteceu.
¿ Na próxima semana, decisões importantes no Supremo Tribunal Federal poderão mudar a vida de Brasília. Por isso, apesar de ter a minha carta de renúncia pronta e entregue à deputada Eliana Pedrosa, líder do meu partido na Câmara Legislativa, aguardo mais alguns dias, como me recomendou o presidente Lula, para que possamos ter o quadro das decisões que a Justiça deverá apresentar na próxima semana. Aí sim tomaremos as decisões que serão necessárias ¿ disse Paulo Octávio, num rápido pronunciamento no salão principal do Palácio do Buriti.
A declaração do governador irritou o Planalto. O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que participara da conversa de Lula com Paulo Octávio, foi escalado para desmentir o governador. Segundo Padilha, Lula não sugeriu que Paulo Octávio ficasse mais tempo no cargo. Lula ainda lembrou que determinara à Controladoria Geral da União (CGU) que amplie as auditorias sobre todas as verbas públicas repassadas ao governo do Distrito Federal. Padilha disse que o governo federal está pronto para cumprir as decisões da Justiça, inclusive no caso de uma eventual intervenção.
¿ Quando Paulo Octávio disse que tinha várias opções, inclusive a de renúncia, o presidente Lula respondeu exatamente: ¿É uma decisão sua, de foro íntimo, que cabe a você decidir. Não faremos qualquer manifestação, além de estarmos preparados para qualquer decisão da Justiça¿ ¿ relatou o ministro.
Em nota, recuo do que dissera de Lula
A conversa durou apenas 20 minutos.
Paulo Octávio chegou cedo ao CCBB, sede provisória do governo federal.
Entrou pelo acesso privativo do presidente. Após a conversa, Lula chegou a avaliar reservadamente que a situação de Paulo Octávio era insustentável.
No encontro, Paulo Octávio ainda se queixou muito de ter sido abandonado pelo seu partido, o DEM. Lula não se manifestou sobre isso.
Pouco depois do desmentido do Planalto, o próprio Paulo Octávio divulgou nota admitindo o erro. Informou que cometeu um equívoco ao citar o nome de Lula como fonte de apoio à sua permanência no governo.
¿Na realidade, em nenhum momento Sua Excelência, o presidente, fez qualquer sugestão, recomendação ou proferiu qualquer manifestação sobre sua permanência ou não no cargo. Durante o encontro, o presidente Lula apenas manifestou sua preocupação com a questão institucional de Brasília¿, diz o texto divulgado pela assessoria de imprensa do governo local.
A crônica da renúncia não concretizada começou quarta-feira, após reuniões do governador com os senadores Demóstenes Torres (DEM-GO) e Agripino Maia (RN), líder do DEM no Senado. Os dois disseram a Paulo Octávio que não teriam condições de manter apoio político ao governador, diante das fortes denúncias que pesam contra ele na Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal.
Sem apoio interno, ameaçado de expulsão do partido e por um processo de impeachment, Paulo Octávio começou a preparar, com colaboradores mais próximos, a primeira carta de renúncia.
A decisão de deixar o governo ficou ainda mais forte depois do encontro com Lula, ontem de manhã.
Ontem à noite, Paulo Octávio explicou ao GLOBO que resolveu ficar após uma série de ligações que recebeu: ¿ Recebi apelos muito fortes. Recebi apelos de muitos figurões da República.
Gente dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Recebi apoio também de pessoas simples.
Recebi mais de dois mil e-mails, muita gente me pedindo para ficar. Toda a executiva do DEM do DF, todo o governo veio para cá (Buriti) ¿ disse.
Entre as ligações de apoio que recebeu, o governador citou especificamente um telefonema do senador Heráclito Fortes (DEM-PI): ¿ O Heráclito me ligou e falou: ¿Não renuncia de jeito nenhum¿ ¿ disse o governador.
Mas Heráclito negou que tivesse oferecido aval do partido se o governador decidisse ficar no cargo.
¿ Não tenho força para pedir isso ao Paulo Octávio ¿ disse Heráclito, que está viajando pela Europa.
No vaivém da renúncia, o presidente da Câmara Legislativa, Wilson Lima (PR), chegou a dar entrevista para falar dos planos que pretendia pôr em marcha como governador.
Lima assumiria se o governador em exercício desistisse do cargo.
Em seu discurso, Paulo Octávio tentou explicar a mudança de posição com o argumento de que recebeu apelos de políticos de todos os partidos e até da ¿imensa maioria da população brasiliense¿. Nesse momento, um dos estudantes que protestavam do lado de fora do Palácio do Buriti gritou: ¿Mentiroso¿. O grito pôde ser ouvido até por algumas pessoas que acompanhavam o discurso do governador.
Paulo Octávio disse ainda que já desistiu de ser candidato a governador nas próximas eleições e que, também por isso, não iria abrir mão do cargo, pelo menos por enquanto.
¿ Vamos viver um dia de cada vez, e a cada dia teremos problemas.
Sei que é um governo em momento muito difícil. Quero colocar minha experiência, meu conhecimento do governo, para que possamos aguardar a decisão do STF. Brasília e seu povo não podem ser prejudicados com a paralisação da administração pública ¿ disse.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, considera que a decisão de Paulo Octávio não influenciará no resultado do julgamento do STF sobre o pedido de intervenção no DF.
¿ Soluções mágicas não afastam a hipótese de intervenção ¿ afirmou Gurgel