Título: Elite federal
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 21/02/2010, Economia, p. 26
A máquina federal cresceu e engordou nos sete anos da gestão Lula. Mesmo no auge da crise global, enquanto empresas apertavam os cintos, ajustandose à conjuntura adversa, o governo reforçou os contracheques de boa parcela do funcionalismo, dando de ombros às preocupações que afligiam o conjunto da sociedade. A política de reajustes generalizados, que serviu para corrigir algumas distorções salariais, privilegiou, por outro lado, uma elite organizada e próxima ao poder.
Um balanço dessa política é oportuno, porque o governo está chegando ao fim, mas esta conta continuará aí para ser paga pela sociedade em forma de impostos. A lógica do Estado forte, que motivou a contratação de 168 mil funcionários no Executivo e estatais, entre 2003 e 2009, serviu também para aumentar o tamanho e os salários das chamadas carreiras de Estado, que teriam um papel estratégico nesse modelo de gestão, segundo as justificativas oficiais. Assim, a tal elite do funcionalismo, que já estava acomodada no topo da pirâmide salarial na gestão anterior, ganhou no atual governo um impulso extraordinário.
O que podemos dizer de salários iniciais de R$ 14.549 oferecidos nas carreiras da área jurídica? E de um incremento de 281% no salário inicial de um procurador do Banco Central, entre 2002 e 2009, que agora também ingressa na carreira recebendo R$ 14.549? Podemos dizer, sem medo de errar, que esses valores estão muito distantes dos pagos pela iniciativa privada.
A reformulação das chamadas carreiras de Estado feita no atual governo, mais do que aos interesses do contribuinte, atende às pressões desses grupos, organizados em sindicatos fortes, como é o caso dos auditores fiscais e policiais federais, por exemplo; ou influentes junto ao poder, como os diplomatas, que viram seus salários crescerem até 157% na gestão atual. São, na maioria, integrantes da burocracia: gestores, procuradores, agentes da inteligência. A maior parte fica em Brasília, a capital com a renda per capita mais alta do país, onde os concursos públicos são a opção preferencial para qualquer recémformado.
Se ingressam com remuneração de R$ 12 mil a R$ 14 mil, no topo da carreira esses funcionários ganham perto de R$ 20 mil.
Enquanto isso, os salários daqueles que ocupam postos-chave no atendimento ao cidadão, como um médico de saúde pública, continuam achatados.
Esse médico citado como exemplo tem hoje uma remuneração inicial de R$ 3.637, que no topo da carreira chegaria a R$ 5.922. Ou seja: com o salário inicial de um funcionário da área jurídica (R$ 14.549) daria para contratar quatro médicos. O que parece oportuno trazer ao debate é se o Estado que financiamos comporta esses supersalários. E se o modelo de Estado forte, em construção no atual governo, está de fato à serviço da sociedade ou de um projeto de poder.
Poder paralelo
Nas agências reguladoras, que já empregam 5 mil funcionários, os salários também estão bem acima do setor privado.
Um especialista em regulação, com curso superior, tem rendimento inicial de R$ 12.138. No topo da carreira, os salários chegam a R$ 16.390. Boa parte dos funcionários é concursada, mas os cargos comissionados também têm remuneração alta para os padrões do mercado brasileiro: próxima de R$ 12 mil.
ATÉ... Míriam Leitão retorna na terça-feira, depois de proveitosas férias dedicadas à literatura. Eu me despeço dos leitores, agradecendo mais uma vez o privilégio de ocupar este espaço e volto à reportagem.
COM ALVARO GRIBEL
e-mail: regina.alvarez@bsb.oglobo.com.br