Título: Petistas lançam a lulista Dilma
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 21/02/2010, O País, p. 4

Praticamente imposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a candidatura presidencial da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi homologada informalmente ontem pelo PT, no encerramento do 4º Congresso Nacional do partido, com a promessa de unidade partidária. O evento de lançamento da pré-candidatura foi resultado de quase três anos de um trabalho feito pessoalmente por Lula no partido e no governo, depois de constatar a ausência de uma alternativa forte genuinamente petista para disputar sua sucessão.

Segundo colegas de governo, a escolha de Dilma por Lula teve um componente essencial: seu alto grau de fidelidade ao presidente. Lula passou a trabalhar o nome dela como candidata a partir do escândalo do mensalão, que atingiu petistas influentes como o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, e do escândalo da quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa, que derrubou o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Os dois estavam, até então, na condição de sucessores naturais de Lula.

- Foi uma longa caminhada. O PT unificou sua posição. E o símbolo maior dessa unidade foi a escolha do nome de Dilma. Isso é o mais importante - diz o líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Para surpresa dos petistas que resistiam à ideia, o nome de Dilma foi consolidado mesmo depois de vários contratempos. Batizada de "Mãe do PAC" e identificada pelo Planalto como a responsável pela agenda positiva do governo nos últimos anos - o próprio Programa de Aceleração do Crescimento, o programa habitacional e a descoberta do pré-sal -, a ministra está conquistando um patamar seguro nas intenções de votos para a disputa presidencial e já chega à marca dos 25%.

Ministra ainda gera desconfiança no PT

Mas, apesar do crescimento nas pesquisas e do esforço para dar a Dilma mais jogo de cintura na política, os próprios petistas e integrantes do governo ainda demonstram desconfiança com a metamorfose da ministra para se tornar presidenciável. Um ministro que costuma viajar com Dilma para vistoriar e inaugurar obras pelo país admite que a essência da chefe da Casa Civil continua a mesma:

- Não é questão de "estar ou não estar", mas sim de "ser ou não ser". E a Dilma continua autoritária, explosiva e com pouco jogo de cintura. É só entrar num avião que ela pode explodir com um assessor que esqueceu alguma coisa. Além disso, falta autonomia política para ela: para tudo ela tem que ouvir o Lula.

Os próprios petistas ainda se preocupam quando ela perde o controle e volta a chamar as pessoas de "meu filho" ou "minha filha", deixando escapar sua essência autoritária.

- A ministra Dilma é uma pessoa austera, de fala muito direta e de formação técnica. É tímida e sisuda. Mas ela está mais solta no trato com as pessoas. Durante o desfile do Galo da Madrugada, no Recife, ela estava à vontade, conversando e acenando para todos. Sempre fica a comparação com o presidente Lula. Mas ela está aprendendo e vai imprimir seu estilo. Ela não foi escolhida como nossa candidata por acaso: Dilma assumiu a Casa Civil naquela crise (mensalão) e criou um para-raio na Presidência - diz o líder do PT, deputado Fernando Ferro (PE), um dos parlamentares mais próximos da ministra.

Para consolidar o nome de Dilma, Lula superou desafios internos e externos. Primeiro, neutralizou potenciais candidatos petistas. Ainda briga para conseguir o mesmo tento com o deputado Ciro Gomes (PSB).

Logo após a queda de Dirceu e Palocci, Lula teve que administrar a ambição de ministros petistas como Tarso Genro, da Justiça, e Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social, além do governador Jaques Wagner (PT-BA).

Aos 62 anos, Dilma começou a sua vida política muito jovem, militando em organizações clandestinas de esquerda na ditadura militar. Filha de família de classe média de Belo Horizonte, Ingressou na Polop (Política Operária), passou pelo Colina (Comando de Libertação Nacional) e em 1969 migrou para a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), de linha maoísta, cuja principal liderança foi o guerrilheiro Carlos Lamarca.

No ano seguinte foi presa, sendo submetida a torturas durante três anos. Quando libertada, mudou-se para Porto Alegre, ajudando a fundar o PDT gaúcho em 1980. Foi secretária de estado de governos do PDT e do PT - partido que se filiou há 10 anos.

Desde que ganhou os holofotes, a ministra tornou-se centro de polêmicas. Em 2008, foi apontada pela oposição como responsável pela elaboração de um dossiê sobre gastos pessoais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e dona Ruth Cardoso, já falecida, pagos com cartão corporativo. Negou a montagem do dossiê.

No ano passado, já pré-candidata, teve de ser blindada pelo governo em outros dois episódios negativos. Primeiro, o fato de ter incluído dados imprecisos no seu currículo, apontando que havia concluído mestrado e doutorado, o que não ocorreu. E, depois, a polêmica em torno da demissão da ex-secretária da Receita Federal, Lina Vieira. Segundo Lina, Dilma teria pedido, num encontro entre as duas, que a investigação das empresas da família Sarney fosse concluída rapidamente. Dilma negou o encontro e o pedido.

Mas o que mais assustou o Palácio do Planalto foi a descoberta um câncer linfático na ministra, no primeiro semestre de 2009. O tratamento durou cinco meses e os médicos garantiram a recuperação de Dilma.

Lula tenta acalmar a cúpula do PMDB

A cúpula do PMDB, após negociações que entraram pela madrugada de sexta para sábado, decidiu prestigiar o lançamento da pré-candidatura de Dilma Rousseff. No fim da noite de sexta-feira, o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), estiveram no Palácio da Alvorada, onde conversaram com o presidente Lula.

Na reunião, Lula garantiu seu empenho pessoal para tentar resolver as pendências eleitorais que dividem PT e PMDB em cinco estados: Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará e Rio Grande do Sul. Lula também se comprometeu e fazer uma menção ao PMDB em seu discurso de ontem, último dia do congresso do PT. Diante disso, ontem de manhã foram ao congresso petista Temer, Jucá, o líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves, e os ministros Hélio Costa e Edison Lobão.

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